No último domingo (27/06/10), tive o prazer de assistir mais uma peça de teatro. A peça chamava-se “Os Enamorados” e foi apresentada no Teatro Vila Velha. Alguns elementos fazem esse reencontro com o teatro interessante o suficiente para valer um post. Primeiro, os motivos que me levaram à peça. Podia citar vários como a sugestão de Juli (minha noiva) para um programa diferente ou mesmo a economia do programa, considerando que o ingresso custava R$ 10,00 enquanto o cinema, no final de semana, pode chegar a R$ 16,00!! Porém, devo admitir que, além desses, é claro, um outro elemento foi decisivo para proporcionar esse reencontro, que, aliais, foi muito mais recompensador do que eu poderia imaginar, como poderemos ver ao final. O fato derradeiro que me levou a ir (ou melhor, voltar) ao teatro foi uma entrevista dada no programa de Rádio “Roda Baiana”, um dos meus preferidos na Rádio Metrópole (na verdade, o único fora os jornais. Mesmo o “Sintonia”, que vem na seqüência e às vezes ouço, tende a não me interessar muito, seja pela temática – espiritismo – seja pelo apresentador, José Medrado, que é muito histriônico para o meu gosto). O “Roda Baiana”, apresentado por André Simões, Jonga Cunha e Fernando Guerreiro, é um programa de variedades, um bate-papo bem informal, com comentários dos mais diversos sobre assuntos idem.
Pois bem, ouvindo certa feita o programa, eles estavam entrevistando atores da peça “os Enamorados” que estava em cartaz e que eu já tinha, para falar a verdade, até me interessado em ir, mas sem maiores entusiasmos. Foi quando eles apresentaram os atores. A atriz principal era Luiza Prosérpio. E ai temos que fazer uma pausa dramática! Luiza foi o meu primeiro e único caso grave de “paixonite platônica aguda”. Só para explicar: paixonite é uma inflação da paixão e, portanto, patológica. Não decorre daí nada mais sério, trata-se apenas de uma febre rápida, porém intensa. Platônica, obviamente, reforça a certeza de que aquilo não daria em nada. E aguda, porque durante uma semana não pensei em outra coisa, senão mergulhar nessa obsessão inofensiva. Pois bem. Luiza Prosérpio me atingiu como um caminhão quando eu fui casualmente assistir a uma peça de um ex-colega de urbanismo que, depois de formado, descobriu que queria mesmo era ser ator. Daniel Sobreira foi a primeira pessoa que lembro de ter conhecido ainda na matricula do curso de urbanismo, há mais de uma década, em 1996. Desde então, nutri por ele a maior admiração, seja pela sua inteligência, pelo seu caráter, pela sua simpatia. Uma das melhores pessoas que conheci e que, infelizmente, há muito tempo não vejo. De qualquer modo, o Daniel mandou para seus conhecidos um convite desta peça, cujo nome não me lembro, mas que era a encenação teatral do drama narrado no filme “Closer”, com Julia Roberts, Clive Owen, Jude Law e Natalie Portman, sobre as idas e vindas de quatro pessoas que se namoravam entre si (heterosexualmente falando). Eu já tinha assistido, ou melhor, tentado assistir o filme, que estava muito cotado na época, mas confesso que não me caiu bem. Da metade para lá, a coisa perdeu o ritmo,etc. Assim, não tinha maiores expectativas quanto à peça, mas fui para dar uma força ao amigo Daniel. Na peça, ele fazia o personagem interpretado por Jude Law no filme. E sua primeira parceira em cena era justamente a Luiza Prosérpio, que interpretava a personagem vivida por Natalie Portman na película. Pois bem, do momento em que entrou em cena até os aplausos finais, com destaque para uma cena de strip-tease no meio, não consegui tirar essa atriz da cabeça. Estava completamente hipnotizado. E é claro que não era uma questão física, como se você visse aquela tremenda gata do outro lado do salão. Era algo diretamente relacionado com a atmosfera do teatro, com a força dramática daquela personagem, que era de fato extremamente sedutora na peça. Mesmo assim, devo dizer que, ainda que a personagem tivesse um grande apelo e que a peça tenha, em algumas passagens, assumido uma conotação mais sexual, afinal estávamos falando do relacionamento amoroso entre pessoas adultas, fiquei muito impressionado com a força que a atriz conseguia colocar nas palavras, nos gestos, nos olhares. Resumindo, fiquei embasbacado. Tanto é que, alguns dias depois, sabendo que o colega Lázaro iria assistir a peça também pelo convite do Daniel, fiz questão de me auto-convidar e foi novamente assistir. Além disso, e é esta passagem que caracteriza a paixonite platônica aguda, passei os dias posteriores procurando na internet (esse paraíso dos obsessivos-compulsívos) tudo que podia encontrar sobre essa minha musa instantânea.
Pois bem, como toda paixonite, essa também passou e minha vida seguiu em frente, sem maiores transtornos. Quando, de repente, ao ouvir o “Roda Baiana”, lá está ela, como que saindo das profundezas adormecidas das minhas memórias, Luiza Prosérpio, convidando os ouvintes para irem vê-la, acompanhada da sua trupe, no espetáculo “Os Enamorados.” Bom, era o motivo que faltava para que eu voltasse ao teatro. Encerrando, portanto, o porquê da ida, passo a narrar agora o que foi essa minha experiência e, principalmente, porque a ela me refiro como um reencontro e,acrescento, agradabilíssimo. Chegamos por volta das 19:00 hs (a peça era as 20:00hs) no Passeio Público, próximo ao Campo Grande. Já tinha ido algumas vezes ao Passeio Público, um lugar que considero agradável, ainda que às vezes me dê uma impressão de estar sempre mal cuidado. Porém, não lembro de relacionar fortemente o lugar ao Teatro Vila Velha. Porém, como quase todos sabem (eu não sabia) o Teatro Vila Velha fica no Passeio Público e essa seria a minha chance de conhecer melhor um lugar de que tanto eu tinha ouvido falar. Fazendo um parênteses que tem a ver com essa mística do Teatro Vila Velha como sendo um celeiro de grandes artistas, um caldeirão cultural, etc, uma das passagens da entrevista de Luiza no “Roda” que me chamou a atenção foi uma troca de comentários entre Luiza e Fernando Guerreiro, que dispensa apresentações (uma das maiores figuras do cenário artístico baiano, diretor de teatro e cabeça pensante – pena que esta esteja a serviço apenas da crítica, já que o mesmo foi convidado para presidir a Fundação Gregório de Matos e dar a sua contribuição, mesmo que pequena, para resolver alguns dos problemas que tanto critica, mas, após algum suspense, não aceitou, preferindo continuar como pedra a ser vidraça) onde os mesmos falavam com intimidade de pessoas que trabalhavam no Vila Velha e meio que já se integraram ao folclore do local. O que me chamou atenção nessa fala foi a coisa da “turma”.
A “turma” é um fenômeno psico-sociológico dos mais ricos, que merecia um estudo aprofundado ou até mesmo um post só para ele. A “turma” é aquela comunidade que fala a mesma língua, freqüenta os mesmos lugares e se identificam entre si. Isso pode acontecer tanto com turmas personalistas (a turma de “fulano”, a minha turma, etc) ou turmas temáticas (a turma do baba, a turma da faculdade, etc). Aqui particularmente estamos diante de uma das turmas mais interessantes: a turma do teatro. A turma do teatro é particularmente interessante pela sua própria vivacidade, pela cabeça aberta, pela vontade de viver a vida com intensidade, pela possibilidade de viver em muitos mundos, de viver em tantas vidas. A turma do teatro é uma das que mais gostaria de conhecer. Flertei um pouco com essa cultura das turmas no tempo de faculdade, principalmente durante o tempo em que fiz política estudantil, sendo coordenador do Centro Acadêmico de Urbanismo – CADU. Na política estudantil, você está sempre se relacionando com outros cursos, o que possibilita conhecer gente de todos os tipos, dos mais quadrados (como eu) aos mais artísticos (como o velho Chico De Riará, uma das figuras mais excêntricas dos meus tempos de UNEB, sempre exibindo uma vasta cabeleira e que, há pouco, tive a enorme felicidade de reencontrar na Livraria LDM – meu oasis do meio-dia, na Piedade – agora já como Dr. Francisco, um respeitável investigador da Policia Civil, quem diria!) Nesses anos 90, convivi com algumas das melhores figuras de que me lembro: Silvinha, SilPaty, Marceleza, Franklin, Vlad, pessoas inesquecíveis. Pois bem, nesta época acabei me aproximando, ainda que lateralmente, desse mundo mais artístico (Chico era pintor, Vlad era músico, ao lado do seu irmão gêmeo, Neto, formando o "Alma Gêmea") e curti muito ver como essas pessoas tinham uma relação diferente com o mundo. Lembrei até das minhas desventuras nessa área, afinal, lembro de que escrevi pecinhas de teatro para apresentação de trabalhos escolares, a serem trabalhados durante o ano. Cheguei, inclusive, a freqüentar aulas de teatro dadas na época do ensino médio, ao lado de mais três colegas, sendo que os elogios, modéstia a parte, ficavam restritos a mim e a colega Leila, diante da timidez dos nossos dois colegas, Max e Simone, figuras queridíssimas (acho que até hoje devo uma grana a Max, que me emprestou uns caramingás para comprar um LP – isso mesmo, um LP!! – do US3, um grupo de jazz-rap, que naufragou, como quase tudo que foi moda nos anos 90, de Vanilla Ice a Fernando Collor). Bom, o fato é que lá estava eu, nesse conhecidíssimo lugar da turma do teatro: o Vila Velha. Devo confessar que fiquei um pouco decepcionado com as instalações: uma audiência em forma de escada, com cadeiras soltas e dois corredores laterais suspensos. Tirando isso, ao estar ali, eu realmente tinha a impressão de que muita coisa já tinha rolado naquele lugar, naquele palco. E que muita gente boa já tinha sentado naquela platéia também (por falar nisso, o repórter Ricardo Ishmael, da TV Bahia, estava lá neste dia, ainda que trabalhar na TV Bahia não faça de ninguém gente boa, é claro.)
No palco, a peça foi muito interessante e, principalmente, bastante diferente do que eu esperava. Imaginava um drama contemporâneo sobre a relação de um casal atormentado pelo ciúme (sabia que a peça tratava disso). Na verdade, a peça era uma comédia, bem ao estilo italiano (sabia também que o texto havia sido sugerido e traduzido do italiano pela própria Luiza Prosérpio, que o descobrira durante sua estada na Itália), com ares (e figurinos) renascentistas e vários atores em cena. Ou seja, de um drama intimista e contemporâneo de um casal, a peça foi para uma opera-bufa com oito atores em cena, para lá e para cá, em movimentos que hora pareciam um filme de Bruce Lee ora uma apresentação de Diego Hipolito. Aliás, como esta era a última apresentação, eles deviam estar realmente bem treinados, depois de algumas quedas e contusões. O uso do espaços e do ambiente cênico foi outro ponto forte, com jogo de luzes e reposicionamentos, pelos próprios atores, das peças do cenário minimalista, mistura de half-pipe com tabuleiro de damas. Destaque também, como não poderia deixar de ser, para Luiza no papel de Eugênia, uma ciumenta incurável, que deixa louco o pobre Fulgêncio, a ponto desse, literalmente, se pendurar no lustre de tanta raiva!! Diante de tudo isso, não teve jeito, a paixonite aguda me atacou de novo. Só que desta vez, mas do que Luiza ou a linda Lizete (personagem de outra atriz belíssima que estava em cena), o alvo da minha paixonite aguda é o teatro, a magia do teatro, esta experiência incrível de virar as costas para o mundo e abrir a alma para o palco. De fechar os olhos aqui e, de repente, enxergar-se lá, em outro tempo, em outro espaço, partilhando das intimidades de uma vida que, ao mesmo tempo em que não existe, por outro lado reafirma continuamente a sua existência em repetidas encenações de cada ato, de cada gesto. Essa paixonite aguda por essa profusão de sentimentos, suspensos no tempo e no espaço dentro da aura mística na qual gravita o palco, no que tem de distinto no objeto da primeira, tem de equivalente na sua conseqüência: o desejo por um próximo reencontro. Que outras peças venham!
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)