segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Poesis: o sal da terra

A infinitude do humano se revela na arte, onde o escutado vai além do som, o escrito, além das letras e o visto, além das cores. Onde criador e criatura se desconectam, e o significado torna-se mero ponto de vista. Seguem-se algumas incursões nesse vazio transbordante de sentido:

O Medo é o Grito o Mundo

O medo é o grito do mundo
A vida é um veio que arde
A sombra é o milagre do sol
O destino é um acaso desfeito

O nada é ausência de tudo
O tudo só é possível aos poucos
A parte é um todo em si mesmo
O todo é um eterno juntar

O amor é o esquecimento da morte
O prazer é a certeza da vida
O corpo é um equívoco
A mente é a resposta

O sonho é a lembrança da alma
O suor é a lágrima da carne
A lágrima é uma água que queima
O olho é o mundo do avesso

O vazio nos olha de dentro
A guerra é a doma do homem
O agora é o início de tudo
O Tudo nunca tem fim

Morte

De tudo, medo
De todo mundo
O medo de tudo
Um mundo de medo

Saraiva de balas
De balas desvairadas
Varias maneiras
De cair na mesma vala

Corpos que morrem
Mortes que matam
Famílias inteiras
Vidas em pedaços

Muros florescem
Nas portas das casas
As casas se fecham
As covas esperam


Vida

Vide o verso, leia a bula
Queime o mapa, quebre a bússola
Ré na moto, descontrole!
Fé nos atos, acelere!

E corra e morra.
E viva a lascívia
De um mundo sem dor
Analgésico-purgante

Encontre sentido
Se sinta perdido
Se entregue em segredo
Espalhe chaves dos seus trincos

Desminta o que é verdade
Tire a venda de nós que te cegam
Ame um Deus de brinquedo
Se apaixone por quem ainda sequer nasceu

Futuro

O futuro é um furo no escuro
Um fardo do qual estamos fartos
Um salto que quebre os metacarpos
Um lapso na memória do tempo

O futuro é o ontem revisto
Um velho conhecido amnésico
Um barco a vela sem remos
Sem proa, sem popa, sem barco

O futuro é um gênero
Do qual somos todos espécies
Diversos, dispersos, ao avesso
Um sobresalto, um deja vu em retrocesso

O futuro é uma mostra de arte
Uma amostra da parte que nos falta
Uma alma em busca de um corpo
Uma falsa mensagem do nada

Amor

Não fale o óbvio
Te amo
Negue-se por completo
Amo somente você

Não abra os olhos para ver.
Feche-os para sentir
Fale tudo que ainda não foi dito
No eterno instante de um beijo

Mande flores e até cartões
Mande bombons e outras formas de afago
Mande recados, infinitos dizeres
Mande o vazio da ausência em um papel colorido

E se ainda há tarefas a cumprir
Coloque-as ao lado das outras coisas inadiáveis
Apague as cores do mundo
E venha brilhar só para mim.

Prazer

O chão em brasa, tudo queima
A boca seca, os olhos viram
As mãos procuram, a carne acerta
A mente voa, o corpo pede

E dois são um e nada mais
E o mundo vazio aguarda lá fora
Todos os calendários perdem o sentido
Tudo se dissolve em um só suor

A pele estática, de tato apurado
Recobre os músculos a pleno vapor
Mais fundo, um coração bate frenético
Colapso falso, por pouco ainda contido

Mas já não há forças a recorrer
Somente diques a transbordar
E somos lançados para fora de nós
Para queimarmos juntos no ventre do sol