segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Kripton, Willis, Albieri e Nicolelis: O que é alma? Parte II
Retomando as discussões sobre as idéias de Miguel Nicolelis e a resposta para a pergunta: "O que é Alma?". Após dar um panorama sobre as idéias de Nicolelis, queria agora colocar algumas questões que se apresentaram na forma de links com outros assuntos e personagens. Cito no título desse post esses links: Kripton, Willis e Albieri. Vamos começar por Kripton. Acho que todo mundo sabe de que Kripton eu estou falando: da terra natal do super-homem. O nosso pequeno Kal-El, filho de Jor-El (interpretado brilhantemente pelo Marlon Brando, no cinema - mas o que esperar de um ator que conquista um filme aparecendo apenas nos seus minutos finais, como ele fez ao interpretar o ensandecido Coronel Kurtz em "Apocalipse Now", de F.F. Copolla), veio para a Terra (o nosso planetinha azul, que orbitava - para alegria do bebê - um sol amarelo) numa capsula espacial, lançado por seu pai por conta da destruição eminente do planeta Kripton. Pois bem, cosmo-geograficamente localizado, o que tem a ver Kripton com a questão mente-cerebro-alma, aqui levantada a partir da discussão de Nicolelis? Bom, uma das versões contadas para o fim de Kripton em uma edição especial da DC (a editora das história do SH) teria sido a ocorrência de uma rebelião de clones. Clones???... Pois é, clones. Qual era o enredo? Cada cidadão kriptoniano, ao nascer, tem uma amostra de DNA retirada e dessa amostra se produziam três clones do indivíduo. Para quê? Para, em caso de acidentes, o clone servir de "peças de reposição", sem perigo de rejeição. Pois é. Os clones ficavam em cápsulas e, quando se precisava, por exemplo, de um "bracinho", se ia lá e arrancava o do clone para colocar no original. Pois bem. Um dia, os defensores dos direitos humanos (até em Kripton tinha, tá vendo?) resolveram questionar a política dos clones como peças de reposição. A justificativa: seres humanos não podem ser meios para os fins de outros seres humanos (qualquer alusão a Kant é óbvia). Ai vem a dúvida: os clones são seres humanos? E, em última instância, a dúvida final: o que torna alguém ou algo um ser humano? Entre tantas respostas possiveis, cada uma com a sua limitação, está a posse de uma alma. Não no sentido religioso, mas no sentido de uma âncora existencial e um liame com as gerações passadas e vindouras. Fato é que os rebeldes de Kripton afirmavam que, ao se manter aqueles corpos em isolamento, era justamente essa "alma", essa "condição de seres humanos" que estavam sendo negadas. E para mostra isso, eles apresentam clones que foram gerados fora do sistema de isolamento e que, portanto, desenvolveram identidade própria, e agora lutavam pela libertação de seus "irmãos". Bom, o pau cantou e o planeta foi destruído. Assim, qual a dúvida que fica para a gente? O clone, uma cópia biológica igual a outro ser humano, pode ter uma existência plena de significado? E não me venham falar em irmãos gêmeos não, pois cada um desses foi gerado nenhum processo autônomo. Não se gerou um primeiro irmão, que depois foi copiado. No caso do clone, não. Tem-se claramente um original e uma cópia (ou várias). Ponto. Não é a mesma coisa. O que não importa dizer que ele não possa ter o status de ser humano. E o que concebe esse status? Seria essa alma que falávamos acima? Esse é o ponto. Ponto esse que nos leva a o outro link dessa história. Semana passada chegou ao fim a reapresentação da novela “O Clone”, de Glória Perez. Desta vez, por motivos mais fortes que minha vontade (com a mudança de horário da SEDHAM, chegava em casa exatamente na hora der começar a novela e acabava almoçando e assistindo) acabei acompanhando a história. Porém, acabou sendo muito interessante, pois pude acompanhar em detalhes o conflito principal da trama: a geração de um clone e os conflitos morais envolvidos nisso. Um aspecto interessante dessa celeuma (e que a conectou com a questão do Nicolelis), foi o fato do cientista que gerou o Clone, o Albieri (interpretado pelo Juca de Oliveira – o homem dos devaneios, na Band FM) ser declaradamente ateu (como Nicolelis). Em contraposição, dois dos seus amigos e confidentes são pessoas extremamente religiosas. Por um lado, o padre católico Matiolli (interpretado pelo atual “Homem Baixo” Francisco Cuoco) e, por outro, o muçulmano Ali (interpretado pelo eterno caminhoneiro Stênio Garcia). Ambos foram unânimes em condenar Albieri com base na mesma questão: ele havia rivalizado com Deus/Alah. De uma cajadada só, Albieri tinha cometido um pecado mortal (a soberba) e reprisado o pecado original de Adão e Eva ao comer o fruto da Árvore do Conhecimento. Ele, por sua vez, sem qualquer amarra religiosa, só via o avanço científico que significava a geração do clone. Um típico caso de descumprimento do princípio da precaução, que diz que, na dúvida sobre os malefícios de uma prática, ela não deve ser executada. Em outros termos, um divórcio claro entre a ciência e a ética. Coincidentemente comecei a ler hoje “Vícios Privados, Benefícios Públicos?” (Eduardo Gianetti), que começa discutindo justamente essa separação entre a possibilidade científico-tecnológica do que é possível fazer (o campo da ciência é o campo positivo do ser) e a responsabilidade ético-moral do que deve ser feito (o campo da ética é o campo normativo do dever ser). O que ocorreu no caso do Albieri foi justamente isso: um ato cientificamente viável, mas eticamente discutível. E toda a discussão ética é muito bem representada na novela, com o conflito envolvendo Lucas - o original - e Leo - a cópia (ambos, obviamente, interpretados por Murilo Benicio). Um ponto relevante para a discussão aqui se refere ao conflito de identidade. Se, por um lado, Leo, não vivendo no mesmo ambiente controlado de Lucas, acaba desenvolvendo uma personalidade distinta, mais audaciosa do que a do inseguro Lucas, por outro, ele se sente inexplicavelmente atraído por Jade (interpretada por Giovanna Antonelli), que teve um romance com Lucas. O detalhe é que ele já sonhava com Jade antes mesmo de conhece-la. E o motivo era justamente a herança genética recebida de Lucas. E ai fica a pergunta: Leo amava, enquanto indivíduo, Jade ou apenas reproduzia, enquanto cópia, o amor de Lucas por ela? Esse tema do conflito identitário dos clones é magistralmente desenvolvido no filme (baseado no seriado de animação da MTV) “Aeon Flux” (interpretada por Charlize Theron). No filme, a cura para uma doença leva a esterilidade dos sobreviventes. Sem que esses se dêem conta disso, o governo começa a clonar cada individuo que morre e implantar o embrião clonado nas mulheres que pensam estar grávidas. Assim, o ciclo se reestabelece sem que ninguém perceba. Porém, ocorre algo semelhante com o que se passou com Léo. As pessoas tem sonhos com lugares e pessoas que elas não conhecem, e as vezes, ao ver alguém na rua, a pessoa sente uma saudade que não consegue identificar o porquê (no caso, são parentes ou amigos do original que morreu). Assim, a vida de todos acaba sendo uma mentira, reencenada várias vezes. Ou não? Cada “nova vida” não é só nova no tempo, mas também no seu todo? Como cada ator, ao interpretar o mesmo personagem a cada espetáculo, é sempre o mesmo? Isso fica no ar. Por fim, o último aspecto que queria levantar acerca das ideias do Nicolelis remete ao filme “Os Substitutos”, estrelado por Bruce Willis. Neste filme, cuja abertura usa imagens dos experimentos de Nicolelis com sua macaca para mostrar a evolução do uso de rôbos controlados pelo cérebro humano, os seres humanos deixaram de viver suas vidas “em primeira mão”, uma vez que lhe é possibilitado “vivenciar” o mundo exterior às suas casas através de um robô que reproduz todos os movimentos e sensações do seu usuário. Assim, por exemplo, eu posso saltar de paraquedas tendo todas as sensações do salto. Porém, se o paraquedas não abre, quem se esborracha é o substituto, enquanto que eu estou são e salvo na poltrona da sala de estar. O enredo do filme vai discutir esse distanciamento entre as pessoas e o mundo real a partir de um assassinato de um usuário através de um ataque ao seu substituto. Ou seja, o princípio básico da segurança do uso dos substitutos (àquela altura, totalmente generalizado para quase 90% da população, que os usava desde a hora em que colocavam o pé fora de casa) tinha ido por água abaixo. Sem entrar em maiores detalhes do filme, o ponto é: por melhor que seja o sistema de reprodução das sensações e movimentos do individuo através de uma veste robótica, como prevê Nicollelis, ou através de um substituto, como no filme, é possível, no futuro, buscar reproduzir tudo o que sentimos através de máquinas? Costumo dizer que “Os Substitutos” é um “Matrix”, sem a Matrix, ou seja, todos sabem que estão interagindo com máquinas e não com as pessoas diretamente. Neste caso, temos uma vida de verdade? Estamos diante de um ser humano? Se entendermos que o substituto robótico é apenas uma roupa que recobre uma individualidade cerebral, não estaremos diante de um ser humano ao falar com um substituto? Qual a diferença do meu cérebro estar ali ou a milhares de quilômetros? Afinal, esteja onde estiver, é com ele que estamos interagindo. Então, seriamos isso: cérebros em um barril (para usar a famosa expressão de Hilary Putnam)? E para finalizar: se ao saltarmos de paraquedas com um substituto robótico que promete que sentiremos tudo exatamente como se fossemos nós mesmos a saltar (e não somos? Afinal, nosso cérebro está lá), podemos ter essa sensação por completo, mesmo sabendo que falta nela um elemento crucial, qual seja, justamente o medo de colocar sua vida em risco? A priori, eu diria que o medo é pessoal e intransferível, portanto, se salto com um substituto robótico não tenho a mesma sensação, pois sei que, se algo der errado, a minha vida não está em jogo. Porém, depois da palestra do Nicolelis e de ler o seu livro, que descreve claramente a aceleração cardíaca e toda a reação muscular de alguém ao ver um braço de borracha (que ele sabe claramente que não é o seu braço “de verdade” – será que não é?) ser esfaqueado como se fosse o seu, fico me perguntando: o que é o ser humano? Seu corpo físico? Seu corpo mental que se projeta para além da matéria? Ou seu corpo interno – sua alma – que retém o que lhe é único, seja ele um avatar cibernético ou um clone biológico? Ficam essas questões. Quem sabe um dia eu consigo responder...
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Kripton, Willis, Albieri e Nicolelis: O que é alma? Parte I
Esse post, apesar de já decorridos vários dias, ainda está sendo escrito sob o impacto da palestra magistral de Miguel Nicolelis neste mês de julho, no Salão Nobre da UFBA, por ocasião do lançamento do seu livro "Muito Além do Nosso Eu" e do Cafê Científico na Ufba (o CC, que já promovia debates mensais na LDM da Piedade, agora, a cada três meses, promoverá debates também na UFBA). O livro, apesar do título, não é nem de auto-ajuda, nem tem temática espírita. Seu conteúdo foi resumido na palestra de certa de 1:30 e tem a ver com um mundo novo que está sendo criado na nossa frente e que nós ainda não somos capazes de ver. Mas que, de certa forma, eu antevi, em um trecho de um poema meu que está aqui no blog e que diz: "O Corpo é um Equívoco. A mente é a resposta." Nicolelis falou muito da mente, o que me levou institivamente a me perguntar: o que é alma? Ao mistura numa mesma sentença as palavras cérebro (bio), mente (psico) e consciência (sócio), resta alguma lugar para falar em alma? Não "alma" no sentido necessariamente religioso, mas em um sentido duplo: de um elán vital que nos mova em direção a alguma meta-lugar, por um lado, e de uma âncora que nos conecte à realidade, nos dando os referenciais necessários para compormos um ponto de vista a partir do qual nos desloquemos. A matriz bio-psico-sociológica poderia até ser uma primeira pista do que seria essa "realidade" à qual nos ancoramos. Mas e quanto ao que nos move? Isso pode ser reduzido/traduzido a impulsos elétricos e reações químicas? É isso que nos propomos a discutir aqui. A partir de uma rápida apresentação dos argumentos de Nicolelis, e passando por alguns exemplos pop (à maneira de Zizek), poderemos levantar alguns pontos sobre essa questão basilar da nossa existência, dentro, obviamente, dos limites de um post blogônico. Nessa primeira parte do Post, vamos fazer uma breve apresentação das idéias de Nicolelis, em particular a idéia do avatar mental.
Em "Muito Além do Nosso Eu", Nicolelis narra o caminho percorrido até tornar-se um dos mais renomados neurocientistas do mundo, sério candidato à prêmio nobel nos próximos anos. Nesse caminho, suas experiências o levaram aos estudos da comunicação entre o cérebro e o corpo. Seu objetivo não poderia ser mais nobre: possibilitar a pacientes paraplégicos a retomada dos movimentos. Identificando como o cerébro funciona (e entrando ai numa interessante discussão entre duas correntes: os locacionistas, que viam o cérebro como uma loja de departamentos, onde cada parte é responsável por uma função; e os generalistas, que viam o cérebro como uma democracia, onde todos os neurônios, com maior ou menor intensidade, participam de todas as decisões. Essa última visão, da qual Nicolelis é partidário, tem se afirmado nos últimos anos), Nicolelis buscou "traduzir" a tempestade elétrica que ocorre no cérebro, que modo a que os comandos que movem o nosso corpo possam ser transmitidos a um exoesqueleto (um esqueleto mecânico externo ao nosso corpo), que fará o papel dos nossos músculos, possibilitando a execução dos movimentos solicitados pelo nosso cérebro. Isso, por si só, já seria algo fantástico. Porém, as pesquisas de Nicolelis e outros cientistas ao redor do mundo levaram a descobertas ainda mais surpreeendentes sobre como funciona nosso cérebro. Resumindo: uma macaca foi treinada para, movendo um joystick (num mundo de tablets, falar em joystick parece algo pré-histórico), acertar, com um cursor, uma bolinha na tela do computador e ganhar uma recompensa. Enquanto isso, os cientistas registravam e decodificavam os movimentos dos impulsos elétricos transmitidos entre seus neurônios. Num segundo momento, afastaram o joystick da mão da macaca, porém os seus comandos cerebrais eram transmitidos tanto biologicamente para seus braços, quanto eletronicamente para o joystick, que continuava movendo o cursor e garantindo a recompensa. A macaca logo percebeu que movendo os braços, movia o joystick, que movia o cursor e ela continuava ganhando a recompensa. No estágio final, buscou-se isolar o fato biológico dos comandos mentais, justamente o caso dos paraplégicos, onde o comando mental não equivale a um movimento físico. Assim, prenderam os braços da macaca, porém mantiveram sua conexão eletrônica com o joystick. A macaca então percebeu que, mesmo sem mexer os braços, ela comandava o joystick, que comandava o cursor e que lhe garantia a recompensa. Enquanto os cientistas comemoravam a descoberta e tentavam aprimorar o sistema, uma descoberta magnífica ocorreu: com os braços soltos, a macaca não só comandava os movimentos do cursor quanto continuava a usar seus dois braços de forma natural! Ou seja, o cérebro da macaca não substituiu o braço biológico pelo braço mecânico. Ele incorporou mais um braço ao avatar mental do seu corpo. Na verdade o meu espanto maior vem dessa idéia do avatar mental. Ou seja, nosso corpo não é um radar sensorial que diz a nossa mente o que está ao nosso redor. Nosso corpo é uma projeção mental. Isso serve tanto para incorporar um elemento que fisicamente é externo a ele (no caso do braço mecânico da macaca) quando para extenalizar sensações que só existem na nossa mente, como na experiência em que um braço de borracha visível é estimulado simultaneamente com o braço real da pessoa, que está encoberto. Quando esse braço de borracha é esfaqueado, o corpo reage (batimentos cardiácos, pressão arterial, etc) como se fosse o braço real sendo esfaqueado. Assim, a falsidade física do braço de borracha sucumbe diante da sua "realidade" mental. O corpo é o que a mente pensa. Explicadas as idéias gerais de Nicolelis, passemos a uma segunda parte, onde discutiremos os aspectos ético-filosóficos dessa questão, com o apoio de alguns exemplos da cultura pop.
Em "Muito Além do Nosso Eu", Nicolelis narra o caminho percorrido até tornar-se um dos mais renomados neurocientistas do mundo, sério candidato à prêmio nobel nos próximos anos. Nesse caminho, suas experiências o levaram aos estudos da comunicação entre o cérebro e o corpo. Seu objetivo não poderia ser mais nobre: possibilitar a pacientes paraplégicos a retomada dos movimentos. Identificando como o cerébro funciona (e entrando ai numa interessante discussão entre duas correntes: os locacionistas, que viam o cérebro como uma loja de departamentos, onde cada parte é responsável por uma função; e os generalistas, que viam o cérebro como uma democracia, onde todos os neurônios, com maior ou menor intensidade, participam de todas as decisões. Essa última visão, da qual Nicolelis é partidário, tem se afirmado nos últimos anos), Nicolelis buscou "traduzir" a tempestade elétrica que ocorre no cérebro, que modo a que os comandos que movem o nosso corpo possam ser transmitidos a um exoesqueleto (um esqueleto mecânico externo ao nosso corpo), que fará o papel dos nossos músculos, possibilitando a execução dos movimentos solicitados pelo nosso cérebro. Isso, por si só, já seria algo fantástico. Porém, as pesquisas de Nicolelis e outros cientistas ao redor do mundo levaram a descobertas ainda mais surpreeendentes sobre como funciona nosso cérebro. Resumindo: uma macaca foi treinada para, movendo um joystick (num mundo de tablets, falar em joystick parece algo pré-histórico), acertar, com um cursor, uma bolinha na tela do computador e ganhar uma recompensa. Enquanto isso, os cientistas registravam e decodificavam os movimentos dos impulsos elétricos transmitidos entre seus neurônios. Num segundo momento, afastaram o joystick da mão da macaca, porém os seus comandos cerebrais eram transmitidos tanto biologicamente para seus braços, quanto eletronicamente para o joystick, que continuava movendo o cursor e garantindo a recompensa. A macaca logo percebeu que movendo os braços, movia o joystick, que movia o cursor e ela continuava ganhando a recompensa. No estágio final, buscou-se isolar o fato biológico dos comandos mentais, justamente o caso dos paraplégicos, onde o comando mental não equivale a um movimento físico. Assim, prenderam os braços da macaca, porém mantiveram sua conexão eletrônica com o joystick. A macaca então percebeu que, mesmo sem mexer os braços, ela comandava o joystick, que comandava o cursor e que lhe garantia a recompensa. Enquanto os cientistas comemoravam a descoberta e tentavam aprimorar o sistema, uma descoberta magnífica ocorreu: com os braços soltos, a macaca não só comandava os movimentos do cursor quanto continuava a usar seus dois braços de forma natural! Ou seja, o cérebro da macaca não substituiu o braço biológico pelo braço mecânico. Ele incorporou mais um braço ao avatar mental do seu corpo. Na verdade o meu espanto maior vem dessa idéia do avatar mental. Ou seja, nosso corpo não é um radar sensorial que diz a nossa mente o que está ao nosso redor. Nosso corpo é uma projeção mental. Isso serve tanto para incorporar um elemento que fisicamente é externo a ele (no caso do braço mecânico da macaca) quando para extenalizar sensações que só existem na nossa mente, como na experiência em que um braço de borracha visível é estimulado simultaneamente com o braço real da pessoa, que está encoberto. Quando esse braço de borracha é esfaqueado, o corpo reage (batimentos cardiácos, pressão arterial, etc) como se fosse o braço real sendo esfaqueado. Assim, a falsidade física do braço de borracha sucumbe diante da sua "realidade" mental. O corpo é o que a mente pensa. Explicadas as idéias gerais de Nicolelis, passemos a uma segunda parte, onde discutiremos os aspectos ético-filosóficos dessa questão, com o apoio de alguns exemplos da cultura pop.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Becket, Mészarós, Chico de Oliveira e Neojibá: do inferno ao céu...
Depois de vir represando alguns post que vinham aparecendo na minha cabeça, hoje é dia de finalmente desaguá-los. Para facilitar, resolvi juntá-los num único post. Este post versará, portanto, sobre a peça "Fim de Partida", de Samuel Becket; as palestras de István Mészarós e Chico de Oliveira, nas comemorações dos 70 Anos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas; e a apresentação da orquestra Neojibá, no TCA. Como o subtítulo do post já abrevia, é uma viagem do inferno ao céu, como se verá.
Comecemos pela peça "Fim de Partida" de Samuel Beckett. Já tinha ido a várias peças, inclusive com mais intensidade nos últimos anos, por causa de Juli que, como já disse aqui, é da "turma do teatro". Porém, ainda não tinha ido ao chamado teatro mais clássico. Já tinha assistido peças de autores conhecidos como Nelson Rodrigues ("A Serpente", com Débora Falabela) e Plínio Marcos ("Abajur Lilás", com a turma de teatro da UFBa), além de peças em formato clássico (como "Os Emanorados" com Luiza Prosérpio) e dramas (como "História de uma lágrima furtiva de cordel", baseado no romance "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector). Mas devo dizer que nada me atingiu tanto quanto "Fim de Partida". Foi um dos pouquíssimos casos onde as minhas expectativas (sempre muito altas) foram não só alcançadas como superadas (casos semelhantes podem ser contados nos dedos, como o final de "Seven" e as intermináveis reviravoltas de "Lost"). Tinha expectativas altas por conta do autor (Beckett é um dos dramaturgos mais conhecidos da história) e por causa de atores como Harildo Deda e Gideon Rosa, presente no elenco. Pois bem. Entrando no Teatro Martin Gonçalves, fui mergulhado (durante nada menos que três horas!!!) na depressão de um mundo pós-apocalíptico, habitado por quatro almas em frangalhos. No Palco, Hamm (Haroldo Deda) guarda como único prazer espezinhar sua única companhia, Clov (Gideon Rosa) enquanto atura, muito à contragosto, os últimos suspiros de seus genitores, o romântico Nagg (Gil Teixeira) e a pragmática Nell (Maria de Souza), agora reduzidos à apenas troncos inertes guardados dentro de tambores de metal e alimentados por biscoitos e papa. Diferente de seus três "patrões", Clov é o único que ainda se mantém de pé (Hamm vive numa cadeira de rodas) e pode, com as próprias pernas, sair daquele calabouço. Mas não o faz, pois, como lembra sardonicamente Hamm, "não há para onde ir." Ao longo de três horas, onde nos é exposta toda a desesperança que um texto teatral pode descrever, o sentimento pode ser resumido nas palavras de Clov. Perguntando por Hamm o que ele via quando olhava para as paredes da sua cozinha, ele responde: "Vejo minha luz se apagar". Será que em algum momento das nossas vidas, quando pararmos para fazer um balanço sobre as nossas escolhas nessa corrida inercial para uma linha de chegada que sequer sabemos onde está, podemos nos encontrar diante de uma parede de uma cozinha qualquer, vendo a nossa luz se apagando? Esse foi o momento que mais me marcou e que me faz querer ter certeza de todas as minhas escolhas, ter certeza que a vida merece ser vivida no seu máximo e que a sua luz seja sempre fulgurante, brilhando de lembranças ricas e promessas de um amanhã ainda melhor. A luz moribunda de Clov é o inferno de que devemos todos escapar.
Na segunda parada da nossa estação, saindo do inferno, mas indo para algo não muito melhor, temos a palestra de István Mészáros na Reitoria da Ufba, abrindo as comemorações dos 70 anos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBa. Não que a palestra tenha sido ruim, muito pelo contrário. Mészáros é o principal intérprete e atualizador da obra de Karl Marx. A sua crítica escapa aos lugares comuns e busca as razões estruturais das nossas consecutivas crises econômicas. Na palestra em questão, havia vasto material a ser analisado, em face da crise mundial de 2008 e Mészáros o fez com arguta percepção. A proximidade ao inferno a que me refiro deve-se a dois fatores: o quadro pintado por Mészáros e a solução proposta por ele. Por um lado, Mészáros atualiza a raíz estrutural das crises capitalistas, já apontadas por Marx, ou seja, o capitalismo é necessariamente insustentável. As evidências enumeradas pelo escritor, para além do que é fartamente documentado em relação à crise de 2008, buscam mostrar a voracidade inerente ao capitalismo, cujas reformas com vistas a "domá-lo" não passam de frágeis rodinhas de bicicleta para impedir um inevitável tombo. Porém, mais grave que isso, a solução proposta por Mészáros assusta pela impossibilidade: como dentro do capitalismo não há solução, a proposta é excluir o dinheiro de todas as transações responsáveis pela reprodução social! Durma com um barulho deste!! Ai fica realmente difícil acreditar numa solução ainda nesta vida...
Mas ainda há luz no fim do tunel. Se não é a luz moribunda de Clov ou a luz utópica de Mészáros, é a luz anciã mais viva do que nunca de Francisco de Oliveira, que fechou com chave de ouro as comemorações da FFCH. Diferentemente de Mészáros, que apontou suas lentes para a economia mundial, Chico de Oliveira, um dos maiores pensadores da esquerda, aprofundou o exame da economia nacional, em sua mais nova face, a do ornitorrinco. Esse estranho animal, uma das mais esdrúxulas misturas da natureza, é a materialização da hegemonia às avessas, onde o grupo que chega ao poder dedica-se justamente a aplicar o programa de governo do grupo ao qual se opunha anteriormente. Ainda que o seu comentador, o professor Jorge Almeida, tenha lembrado que o conceito de hegemonia de Antônio Gramsci descreve justamente uma situação onde quem detém o poder o faz com tanta força, que não resta aos adversários outro caminho senão aquele sinalizado pelos supostos adversários. Porém, como Chico de Oliveira defendeu, trata-se de uma idéia-força, um conceito que, ao usar o termos "às avessas", enfatiza o caso do Brasil, onde o PT foi construído sobre um programa anti-conservador, anti-liberal, anti-mainstream e passou a vida sendo pedra, no momento em que se tornou vidraça, tomou consciência de que talvez FHC, Malan e companhia não estivessem tão errados assim. Não entrarei em querelas econômicas aqui porque criei meu outro blog (neoestrategiasbrasil.blogspot.com) para discutir isso. Aqui gasto apenas minhas palavras para anunciar o meu prazer de ouvir um pensador como Chico de Oliveira, em sua lucidez e esperança irremovível no nosso povo e país.
(Como lembranças pessoais dessas duas palestras, ficam os autógrafos colhidos, com direito a registro em video desse momento com Chico do Oliveira, que com humildade luminosa, me disse: "Você ainda gastou seu dinheiro com meu livro, meu filho." Segue link:
http://www.youtube.com/watch?v=CUU0sXkWIdI
(Como lembranças pessoais dessas duas palestras, ficam os autógrafos colhidos, com direito a registro em video desse momento com Chico do Oliveira, que com humildade luminosa, me disse: "Você ainda gastou seu dinheiro com meu livro, meu filho." Segue link:
http://www.youtube.com/watch?v=CUU0sXkWIdI
O deleite só não foi maior do que o céu ao qual chegamos na última parada da nossa viagem: a apresentação da orquestra Neojibá, na sala principal do TCA. Simplesmente maravilhoso! Se não pela perfeição da Neojibá, por duas questões minhas: seria a primeira vez que assistiria a uma orquestra completa (já assisti anteriormente no Parque da Cidade, mas com um número reduzido de músicos e instrumentos) e a minha primeira vez na sala principal do TCA. Com relação a este último aspecto, ao entrar na sala principal e sentar na frente, pensei comigo: "Nem é tão grande assim." Quando olhei para trás, o susto: a imensa arquibancada que dá ao auditório os seus 1.500 lugares. Fantástico! Pelo lado da apresentação de uma orquestra completa e dessa orquestra ser a Neojibá, de qualidade internacionalmente reconhecida, não há muito que se possa dizer em palavras. Apenas alguns elementos que me tocaram mais: a perfeita sincronicidade dos instrumentos, em especial os violinos, que eram uns vinte; os enormes bumbos, com um metro de diâmetro; o "se vira nos trinta" dos percussionistas, que mudam de instrumentos ao longo da mesma música; a importância do maestro, que eu pensava que somente dava o ritmo da música, mas que, pelo olhar permanentemente atentos dos músicos para ele, faz muito mais do que isso. Mas o momento que mais marcou a noite foi a participação do violonista Mário Ulloa, que coincidentemente também tinha feito uma apresentação na palestra de Chico de Oliveira (nas duas ocasiões, tocou "El Condor Pasa"). A junção da perfeição da Neojibá com a emoção de Ulloa, certamente nos transporta para um céu. Abaixo, uma foto desse momento inesquecível:

Assim, da luz moribunda de Clov alcançamos a luz celestial da Neojibá, numa viagem que, do inferno ao céu, me preencheu com todos os matizes da genialidade artística humana.
terça-feira, 24 de maio de 2011
Sebos na Memória
A estudante de jornalismo da Faculdade Social, Laís Santos, está fazendo um trabalho de conclusão de curso sobre os sebos em Salvador. Quando ela ligou para o Pedro, dono do Sebo Berinjela, eu estava lá. Ela pediu indicações de freqüentadores e ele passou meu número. Ela me ligou, conversamos sobre a pesquisa e ela me mandou uma relação de perguntas. Como adoro livros, e já tinha me comprometido a fazer um posto sobre sebos aqui no blog, segue as minhas respostas como um aperitivo de um futuro post especialmente dedicado ao tema.
1) Para você, o que é um sebo?
R - Numa definição formal, podemos dizer que sebo é um lugar especializado na compra, venda e troca de livros usados. Porém, para mim, os sebos são territórios a serem explorados, pois, diferentes das livrarias, não basta só ir no balcão e pedir o livro que se quer. É preciso explorar as estantes, procurar nas brechas, tirar os livros de baixo das pilhas, para encontrar "aquela" preciosidade. Para mim, cada sebo é uma mina de ouro que merece ser garimpada com cuidado. O resultado vale a pena em 99% dos casos.

2) Como e por que você começou a frequentar esses estabelecimentos?
R - Acredito que isso tenha a ver com o hábito da leitura, estimulado tanto pelo meu pai quanto pela minha mãe. Meu pai toda sexta-feira, me dava uma grana para comprar quadrinhos. Por outro lado, minha mãe era professora e sempre recebia todo mês dois livros da coleção Vagalume, os quais eu esperava ansioso. Quando entrei na faculdade de urbanismo, na UNEB, em 1996, meu pai me levou para minha primeira feira de livros, no Shopping Piedade, onde comprei meus primeiros livros (lembro que na feira se comprava livro a metro, a quilo e a unidade). Desde então, tornei-me um obcecado por livros, mais especificamente pela garimpagem de preciosidades literárias. Antes de tornar-me um usuário de sebos, minha predileção eram as feiras de livros e, mais ainda, os saldões, ou seja, aquelas mesas colocados na frente das velhas pequenas livrarias de Salvador (como a DILISA e a Civilização Brasileira, que praticamente já não existem mais). Sempre considerei os saldões melhores que os sebos, pois a referência de sebo que tinha era o Brandão, que foi o primeiro sebo que visitei (já em 1997, quando entrei na faculdade de Direito da UFBA, pois ele era o mais conhecido em 1997, como é até hoje), onde comprei meu primeiro livro de sebo (Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara). Ocorre que a ida ao sebo foi justamente pelo motivo que não gosto: fui porque queria comprar livros específicos, como numa livraria. O preço não foi tão atraente quanto aqueles que eu estava acostumado a pagar nos saldões. Então para mim, ficou a dicotomia: nos saldões, a intenção dos donos é se livrar de livros que estão ocupando espaço; dai a variedade e o preço mais baixo; nos sebos, os donos sabem o real valor dos livros, o que dificulta achar preços realmente mais baixos. Assim, só passei a frequentar sebos quando os saldões começaram a rarear em Salvador, quando as pequenas livrarias começaram a fechar. Uma das últimas a fechar foi a DILISA da Rua da Ajuda, próximo a Praça Municipal. Logo em frente abriu o Sebo Berinjela, que aos poucos foi atraindo minha atenção pela quantidade, mas também pelo preço (sempre metade do que estava escrito no fundo do livro). Já tinha visitado outros sebos, como o Graúna, que ficava próximo ao Hotel da Bahia; a Casa do Livro, na Ladeira do Corpo de Bombeiros; Um outro que ficava num prédio na Praça da Sé (cujos livros vi, lá de baixo, através da janela e tratei logo de ir atrás); outro que fica na rua paralela à Manoel Dias da Silva, na Pituba; os dois da Estação da Lapa (e o Papirus, que fica do lado de fora, e outro que fica logo no começo, em frente ao ponto do ônibus Boca do Rio); um pequeno que fica na Av. Centenário; houve também um sebo no Aeroclube Plaza Show; o próprio Brandão; e um pequeno, que abriu a pouco num prédio próximo ao Brandão. E assim por diante. Com o fim dos saldões (o que restou foi o da LDM da Piedade, onde há pouco achei algumas coisas bem legais, além da Bienal do Livro, que sempre traz coisas interessantes a preços baixos), os sebos foram se tornando uma opção cada vez mais comum. O que ajudou a desfazer minha primeira imagem dos sebos, pois dá para fazer ótimos negócios também em termos de preços. Mas, o mais importante para mim, é a possibilidade de negociar e de encontrar preciosidades, como as que tenho encontrado ao longo desses anos de visitas aos sebos.
3) Qual seu maior prazer em ir a sebos?
R - Sem dúvida a garimpagem. O preço, na verdade, faz parte da garimpagem, pois o grande lance é juntar o excelente livro e o excelente preço. É claro que às vezes você encontra um livro fantástico, que vale a pena comprar pelo preço pedido. Mas o bom mesmo é quando você consegue negociar um preço mais baixo mesmo naquele livro que você pagaria o dobro do que está sendo pedido. A garimpagem, a negociação e a certeza do bom negócio e do bom produto são os elementos necessários para uma visita proveitosa ao sebo.
4) Você frequenta livrarias?
R - Sim. Com a chegada das grandes livrarias como a Nobel, na Pituba, a Saraiva, do Shopping Iguatemi, e finalmente a Cultura, no Shooping Salvador, há também muito prazer em frequentar livrarias. O ideal é quando você pode mesclar tudo, como no caso da LDM da Piedade, que frequento muito. Lá posso juntar um ambiente agradável, as últimas novidades, um gostoso capuccino e, de vez em quando, uma olhadinha nas "novidades" no saldo do andar de cima.
5) Você lembra qual o primeiro sebo em que você entrou? E o primeiro livro que você comprou?
R - Lembro sim. Como disse, o primeiro foi o Brandão, onde comprei Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara.
6) Você costuma ir a sebos com que frequência? E, sempre que vai, compra livros?
R - Dificilmente deixo de dar uma passada uma ou duas vezes por semana nos sebos que estão no meu caminho (Lapa, Berinjela). Mas nem sempre compro, pois depende de achar alguma coisa interessante (o que demanda um tempinho para dar aquela vasculhada com atenção) e de haver espaço para negociar um bom preço. A regra é: nunca pagar o que está sendo pedido, ainda que no final você pague mais do que sua oferta original. E nem sempre há negociação chega a um bom termo para ambos. Mas dificilmente passo um mês sem adquirir algum livro, seja em sebos (a maioria), seja em livrarias.
7) Além dos livros, você adquire outros produtos em sebos?
R - Não, principalmente porque eu prefiro aqueles mais caóticos, dedicados apenas aos livros, esparramados por todos os lados.
8) Quais as principais vantagens de comprar em sebo?
R - As duas grandes vantagens são o preço e a possibilidade de achar preciosidade, seja pelo valor do livro em si (uma obra clássica, um grande autor, etc), seja pela combinação valor do livro/preço do livro. Além disso, a sensação da descoberta, do "Nossa, não acredito que encontrei esse!" Para aficcionados como eu, essa sensação pode ser tão boa ou melhor do que encontrar um bom livro por um bom preço.
9) Na sua opinião, quais as desvantagens de comprar em sebos?
R - É necessário, obviamente, ter um cuidado a mais ao examinar um lvro no sebo antes de comprar, afinal, trata-se de um livro usado, o que pode implicar em paginas a menos ou com defeitos de impressão que podem prejudicar a leitura. Tratar-se apenas de um livro velho e rabiscado não é problema, desde que você consiga ler o texto original. Mas descobrir defeitos ou páginas a menos é sempre muito chato. Assim, é necessário examinar com calma o livro antes de comprar (o que nem sempre é possível, a depender da empolgação de encontrar "aquele" livro tão desejado).
10) Você utiliza redes virtuais de sebos, como a Estante Virtual?
R - Não, apesar de ser bastante recomendado. Estou pensando em começar a usar, especialmente em função de alguns livros específicos para a pesquisa do meu mestrado atual, que não posso depender de achar ou não nos sebos.
11) Agora, por favor, relembre histórias curiosas [como conversamos por telefone, podem ser histórias de livros que você encontrou ou qualquer outro fato que aconteceu dentro de um sebo].
R - Bom, realmente são muitos anos de sebo e, portanto, muitas histórias. Posso lembrar pelo menos duas. Por conta da faculdade e do trabalho, comecei a fazer algumas viagens e, sempre que chegava a uma cidade grande (Brasília, Rio, São Paulo), buscava logo saber onde ficava o sebo mais próximo. Foi assim na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro. Participei de um concurso de textos promovido pelo Academia Brasileira de Letras, Fiquei em terceiro lugar. Como prêmio, uma passagem de ida e volta ao Rio para receber o prêmio e um valor em dinheiro. Bom, indo ao Rio, não podia pensar em outra coisa: sebos, saldões, livros e mais livros. Perguntei a alguns conhecidos, que me indicaram o "Baratos da Ribeiro", na Av. Barata Ribeiro. Peguei um avião às 07:00, cheguei ao Rio às 09:00 e fui direto do Aeroporto para o "Baratos da Ribeiro". Lá chegando, começei a garimpagem, quando entrou um camarada que falou sobre uma feira de livros. Não pensei duas vezes e perguntei onde estava sendo essa feira. Ele me disse: "Do outro lado da cidade." Fique na dúvida, pois nao conhecia nada do Rio e para chegar lá tinha que ir de metrô. Isso naquela época que só se falava de bala perdida no Rio. Juntei a coragem, pensei nos livros e meti as caras: lá fui eu para o outro lado da cidade, de metro, para cima e para baixo. Mas valeu muito a pena: saindo da estação, dezenas de bancas com livros caindo pelo chão. Me esbaldei, é claro. Quase perco o horário da premiação e pior: quando já estava no taxi, indo para o aeroporto, me dei conta que passei o dia todo no Rio e nada de Pão de Açúcar, Ipanema, Copacabana... quando olhei pela janela, lá estava distante o Cristo Redentor. Moral da história: a máquina fotográfica voltou vazia, mas a mala voltou cheia... de livros.
A segunda história foi aqui em Salvador mesmo. Já tinha ido neste sebo (não vou revelar o nome) e as negociações variavam bastante. Quando era o dono, o negócio era difícil. O cara sabia exatamente quais livros eram mais valiosos e qualquer descontinho mínimo era duro de sair. Já quando era com o ajudante dele, o negócio era moleza. O cara quase sempre aceitava minha primeira oferta. Ou seja, era sopa no mel. Um final de semana tinha ido lá e visto vários livros interessantes, mas o dono estava lá. Pensei, "venho durante a semana". Só que durante a semana, eu trabalho e só dava para ir na hora do almoço. Dito e feito, lá vou eu correndo para o outro lado da cidade, sem ter tempo de almoçar para conseguir comprar os livros. Chegando lá, minha surpresa: o dono estava lá. Bom, já estava lá, não iria dar viagem perdida. Fiquei esperando: 30 minutos, 01 hora, 01:30. Já estava praticamente desmaiando de fome!!, Depois de duas horas, eu já azul de fome, o ajudante finalmente chegou e o dono foi almoçar. Com o resto das forças que tinha, chamei o ajudante e fiz a proposta: não sei se diante do dinheiro vivo ou do meu aspecto já meio morto, o cara aceitou de primeira. Porém, quase 3 horas da tarde, já era o trabalho e eu fui correndo para casa comer alguma coisa. Novamente, moral da história: o estômago estava vazio, mas as mãos estavam cheias de livros e a alma, cheia de alegria.
Essas são algumas das emoções de quem ama os livros e, por tabela, os sebos da nossa cidade e do nosso Brasil.
1) Para você, o que é um sebo?
R - Numa definição formal, podemos dizer que sebo é um lugar especializado na compra, venda e troca de livros usados. Porém, para mim, os sebos são territórios a serem explorados, pois, diferentes das livrarias, não basta só ir no balcão e pedir o livro que se quer. É preciso explorar as estantes, procurar nas brechas, tirar os livros de baixo das pilhas, para encontrar "aquela" preciosidade. Para mim, cada sebo é uma mina de ouro que merece ser garimpada com cuidado. O resultado vale a pena em 99% dos casos.
2) Como e por que você começou a frequentar esses estabelecimentos?
R - Acredito que isso tenha a ver com o hábito da leitura, estimulado tanto pelo meu pai quanto pela minha mãe. Meu pai toda sexta-feira, me dava uma grana para comprar quadrinhos. Por outro lado, minha mãe era professora e sempre recebia todo mês dois livros da coleção Vagalume, os quais eu esperava ansioso. Quando entrei na faculdade de urbanismo, na UNEB, em 1996, meu pai me levou para minha primeira feira de livros, no Shopping Piedade, onde comprei meus primeiros livros (lembro que na feira se comprava livro a metro, a quilo e a unidade). Desde então, tornei-me um obcecado por livros, mais especificamente pela garimpagem de preciosidades literárias. Antes de tornar-me um usuário de sebos, minha predileção eram as feiras de livros e, mais ainda, os saldões, ou seja, aquelas mesas colocados na frente das velhas pequenas livrarias de Salvador (como a DILISA e a Civilização Brasileira, que praticamente já não existem mais). Sempre considerei os saldões melhores que os sebos, pois a referência de sebo que tinha era o Brandão, que foi o primeiro sebo que visitei (já em 1997, quando entrei na faculdade de Direito da UFBA, pois ele era o mais conhecido em 1997, como é até hoje), onde comprei meu primeiro livro de sebo (Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara). Ocorre que a ida ao sebo foi justamente pelo motivo que não gosto: fui porque queria comprar livros específicos, como numa livraria. O preço não foi tão atraente quanto aqueles que eu estava acostumado a pagar nos saldões. Então para mim, ficou a dicotomia: nos saldões, a intenção dos donos é se livrar de livros que estão ocupando espaço; dai a variedade e o preço mais baixo; nos sebos, os donos sabem o real valor dos livros, o que dificulta achar preços realmente mais baixos. Assim, só passei a frequentar sebos quando os saldões começaram a rarear em Salvador, quando as pequenas livrarias começaram a fechar. Uma das últimas a fechar foi a DILISA da Rua da Ajuda, próximo a Praça Municipal. Logo em frente abriu o Sebo Berinjela, que aos poucos foi atraindo minha atenção pela quantidade, mas também pelo preço (sempre metade do que estava escrito no fundo do livro). Já tinha visitado outros sebos, como o Graúna, que ficava próximo ao Hotel da Bahia; a Casa do Livro, na Ladeira do Corpo de Bombeiros; Um outro que ficava num prédio na Praça da Sé (cujos livros vi, lá de baixo, através da janela e tratei logo de ir atrás); outro que fica na rua paralela à Manoel Dias da Silva, na Pituba; os dois da Estação da Lapa (e o Papirus, que fica do lado de fora, e outro que fica logo no começo, em frente ao ponto do ônibus Boca do Rio); um pequeno que fica na Av. Centenário; houve também um sebo no Aeroclube Plaza Show; o próprio Brandão; e um pequeno, que abriu a pouco num prédio próximo ao Brandão. E assim por diante. Com o fim dos saldões (o que restou foi o da LDM da Piedade, onde há pouco achei algumas coisas bem legais, além da Bienal do Livro, que sempre traz coisas interessantes a preços baixos), os sebos foram se tornando uma opção cada vez mais comum. O que ajudou a desfazer minha primeira imagem dos sebos, pois dá para fazer ótimos negócios também em termos de preços. Mas, o mais importante para mim, é a possibilidade de negociar e de encontrar preciosidades, como as que tenho encontrado ao longo desses anos de visitas aos sebos.
3) Qual seu maior prazer em ir a sebos?
R - Sem dúvida a garimpagem. O preço, na verdade, faz parte da garimpagem, pois o grande lance é juntar o excelente livro e o excelente preço. É claro que às vezes você encontra um livro fantástico, que vale a pena comprar pelo preço pedido. Mas o bom mesmo é quando você consegue negociar um preço mais baixo mesmo naquele livro que você pagaria o dobro do que está sendo pedido. A garimpagem, a negociação e a certeza do bom negócio e do bom produto são os elementos necessários para uma visita proveitosa ao sebo.
4) Você frequenta livrarias?
R - Sim. Com a chegada das grandes livrarias como a Nobel, na Pituba, a Saraiva, do Shopping Iguatemi, e finalmente a Cultura, no Shooping Salvador, há também muito prazer em frequentar livrarias. O ideal é quando você pode mesclar tudo, como no caso da LDM da Piedade, que frequento muito. Lá posso juntar um ambiente agradável, as últimas novidades, um gostoso capuccino e, de vez em quando, uma olhadinha nas "novidades" no saldo do andar de cima.
5) Você lembra qual o primeiro sebo em que você entrou? E o primeiro livro que você comprou?
R - Lembro sim. Como disse, o primeiro foi o Brandão, onde comprei Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara.
6) Você costuma ir a sebos com que frequência? E, sempre que vai, compra livros?
R - Dificilmente deixo de dar uma passada uma ou duas vezes por semana nos sebos que estão no meu caminho (Lapa, Berinjela). Mas nem sempre compro, pois depende de achar alguma coisa interessante (o que demanda um tempinho para dar aquela vasculhada com atenção) e de haver espaço para negociar um bom preço. A regra é: nunca pagar o que está sendo pedido, ainda que no final você pague mais do que sua oferta original. E nem sempre há negociação chega a um bom termo para ambos. Mas dificilmente passo um mês sem adquirir algum livro, seja em sebos (a maioria), seja em livrarias.
7) Além dos livros, você adquire outros produtos em sebos?
R - Não, principalmente porque eu prefiro aqueles mais caóticos, dedicados apenas aos livros, esparramados por todos os lados.
8) Quais as principais vantagens de comprar em sebo?
R - As duas grandes vantagens são o preço e a possibilidade de achar preciosidade, seja pelo valor do livro em si (uma obra clássica, um grande autor, etc), seja pela combinação valor do livro/preço do livro. Além disso, a sensação da descoberta, do "Nossa, não acredito que encontrei esse!" Para aficcionados como eu, essa sensação pode ser tão boa ou melhor do que encontrar um bom livro por um bom preço.
9) Na sua opinião, quais as desvantagens de comprar em sebos?
R - É necessário, obviamente, ter um cuidado a mais ao examinar um lvro no sebo antes de comprar, afinal, trata-se de um livro usado, o que pode implicar em paginas a menos ou com defeitos de impressão que podem prejudicar a leitura. Tratar-se apenas de um livro velho e rabiscado não é problema, desde que você consiga ler o texto original. Mas descobrir defeitos ou páginas a menos é sempre muito chato. Assim, é necessário examinar com calma o livro antes de comprar (o que nem sempre é possível, a depender da empolgação de encontrar "aquele" livro tão desejado).
10) Você utiliza redes virtuais de sebos, como a Estante Virtual?
R - Não, apesar de ser bastante recomendado. Estou pensando em começar a usar, especialmente em função de alguns livros específicos para a pesquisa do meu mestrado atual, que não posso depender de achar ou não nos sebos.
11) Agora, por favor, relembre histórias curiosas [como conversamos por telefone, podem ser histórias de livros que você encontrou ou qualquer outro fato que aconteceu dentro de um sebo].
R - Bom, realmente são muitos anos de sebo e, portanto, muitas histórias. Posso lembrar pelo menos duas. Por conta da faculdade e do trabalho, comecei a fazer algumas viagens e, sempre que chegava a uma cidade grande (Brasília, Rio, São Paulo), buscava logo saber onde ficava o sebo mais próximo. Foi assim na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro. Participei de um concurso de textos promovido pelo Academia Brasileira de Letras, Fiquei em terceiro lugar. Como prêmio, uma passagem de ida e volta ao Rio para receber o prêmio e um valor em dinheiro. Bom, indo ao Rio, não podia pensar em outra coisa: sebos, saldões, livros e mais livros. Perguntei a alguns conhecidos, que me indicaram o "Baratos da Ribeiro", na Av. Barata Ribeiro. Peguei um avião às 07:00, cheguei ao Rio às 09:00 e fui direto do Aeroporto para o "Baratos da Ribeiro". Lá chegando, começei a garimpagem, quando entrou um camarada que falou sobre uma feira de livros. Não pensei duas vezes e perguntei onde estava sendo essa feira. Ele me disse: "Do outro lado da cidade." Fique na dúvida, pois nao conhecia nada do Rio e para chegar lá tinha que ir de metrô. Isso naquela época que só se falava de bala perdida no Rio. Juntei a coragem, pensei nos livros e meti as caras: lá fui eu para o outro lado da cidade, de metro, para cima e para baixo. Mas valeu muito a pena: saindo da estação, dezenas de bancas com livros caindo pelo chão. Me esbaldei, é claro. Quase perco o horário da premiação e pior: quando já estava no taxi, indo para o aeroporto, me dei conta que passei o dia todo no Rio e nada de Pão de Açúcar, Ipanema, Copacabana... quando olhei pela janela, lá estava distante o Cristo Redentor. Moral da história: a máquina fotográfica voltou vazia, mas a mala voltou cheia... de livros.
A segunda história foi aqui em Salvador mesmo. Já tinha ido neste sebo (não vou revelar o nome) e as negociações variavam bastante. Quando era o dono, o negócio era difícil. O cara sabia exatamente quais livros eram mais valiosos e qualquer descontinho mínimo era duro de sair. Já quando era com o ajudante dele, o negócio era moleza. O cara quase sempre aceitava minha primeira oferta. Ou seja, era sopa no mel. Um final de semana tinha ido lá e visto vários livros interessantes, mas o dono estava lá. Pensei, "venho durante a semana". Só que durante a semana, eu trabalho e só dava para ir na hora do almoço. Dito e feito, lá vou eu correndo para o outro lado da cidade, sem ter tempo de almoçar para conseguir comprar os livros. Chegando lá, minha surpresa: o dono estava lá. Bom, já estava lá, não iria dar viagem perdida. Fiquei esperando: 30 minutos, 01 hora, 01:30. Já estava praticamente desmaiando de fome!!, Depois de duas horas, eu já azul de fome, o ajudante finalmente chegou e o dono foi almoçar. Com o resto das forças que tinha, chamei o ajudante e fiz a proposta: não sei se diante do dinheiro vivo ou do meu aspecto já meio morto, o cara aceitou de primeira. Porém, quase 3 horas da tarde, já era o trabalho e eu fui correndo para casa comer alguma coisa. Novamente, moral da história: o estômago estava vazio, mas as mãos estavam cheias de livros e a alma, cheia de alegria.
Essas são algumas das emoções de quem ama os livros e, por tabela, os sebos da nossa cidade e do nosso Brasil.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Musica: Gadú, Monae, Kesha, Concha, Medulla e Morte.
Música: um tema que já deveria ter entrado aqui há bastante tempo, mas tinha ficado na prateleira até agora. Esperando o momento certo, talvez. E o momento chegou, proporcionado pela minha ida à Concha Acústica no dia 08/04/2011 assistir ao show de Maria Gadú. Já me prometi que no mínimo dois shows eu iria assistir quando estivessem em Salvador: Gadú e Lenine. Gadú é paixão recente, proporcionada pelo dvd multishow que meu primo Jairo deixou aqui em casa para eu ver. Confesso que "shimbalaies" para lá e para cá eu achava bonitinho, mas nada mais. Ao assistir ao dvd, principalmente com a participação dos Varandistas, ou seja, Leandro Léo e companhia, fiquei realmente vidrado. Músicas como "Quando fui chuva", "Lounge", "João de Barro" e "Laranja" (essa ouvi pela primeira vez no rádio de um taxi em São Paulo) não me saem mais da cabeça. Conversava com algumas pessoas que a aparição de Gadú no cenário musical brasileiro me lembrava a de Marisa Monte. Antes de Marisa aparecer, havia uma cisão entre público e crítica. Ou seja, as músicas populares eram consideradas de baixa qualidade musical pelos críticos (axé, sertanejo, etc) e vice-versa, o que os críticos achavam que tinha qualidade quase não tinha reconhecimento de público (experimentalismo, música instrumental, etc). Marisa rompeu essa divisão, pois era sucesso de público e de crítica. Gadú vai nesse mesmo sentido, pois as músicas tem forte ressonância popular, mas ao mesmo tempo são super-técnicas (do jeito que a crítica gosta). Tentar tocar "Quando fui chuva" ou "João de Barro" é um teste para a flexibilidade dos dedos!! Bom, o show foi caro (R$ 60,00), mas muito bom. Quer dizer, eles souberam fazer o suspense certo, pois o show começou muito bem, tocando os sucessos e tal, tudo ótimo. Mas uma hora depois, ela se despediu. Ai ficou um ar de desapontamento no ar, pois apesar de bom, era pouco em relação ao que se esperava. Mas ai ela voltou para o bis e jogou o show lá para cima de novo, encerrando com uma apoteótica "Eva", com o público inteiro de pé, marcando o rítmo da música nas palmas, a lá "Radio Gaga" do Queen. Muito bom!! O ponto fraco foi a ausência de "Quando fui chuva", minha música favorita do dvd. Não tocou pela falta, imagino eu, do Luís Kiari, que toca a música no dvd e não estava aqui em Salvador, diferente do Dani Black, que cantou "Só Sorriso" e do Leandro Léo, que cantou "Linda Rosa" e "João de Barro", ambos presentes no dvd também. Para aliviar a ausência, segue o link para "Quando fui chuva": http://www.youtube.com/watch?v=QJoE5GPmOvQ Já Lenine é paixão antiga. Já pude curtir show do cara aqui na Bienal de Artes da UNE (onde ouvi também - se não me engano, no mesmo dia - Chico Science e Nazão Zumbi. É claro que depois dessa "surra percussiva", meus ouvidos sairam zunindo). Curti também o dvd "Incité", gravado lá em Paris, com a participação do grande Ramiro Mussoto, um gigante que se foi. É inesquecível a mágica de fazer percussão numa bacia d'água (detalhe: a percussão era na água e não na bacia). E também da baixista cubana Yusa (que toca uma canção sozinha no violão que quebra a espinha de quem tenta acompanhar seu compasso). De qualquer modo, Lenine é sempre uma ponte fundamental entre a reflexão e a transpiração, o corpo e a alma, o movimento e a mansidão. Então, estou na fila: quando o cara estiver em Salvador, estarei na turma do gargarejo! Como exemplo dessa "raíz fincada no mangue e a cabeça, satélite na imensidão", segue o link da música que abre o dvd In Cité: http://www.youtube.com/watch?v=q1nIUp4DnG0 Para finalizar, queria falar de três músicas, talvez nem tanto por elas, mas porque a sua ocorrência agora me fez lembrar um pensamento que sempre tive desde cedo: a limitação do instante de vida diante da espiral infinita da cultura. Isso é só para dizer uma coisa que me afligia muito no passado (hoje aflige menos, mas ainda penso nisso): o fato de quão fundamental é a arte na nossa vida, porém o quão igualmente desimportante é a nossa vida para a arte. Ou seja, as vezes você se depara com um filme, um livro, um quadro ou uma música que marca tanto a sua vida que ela se torna parte de você. E quando você pensava que nenhuma outra peça artística teria aquele mesmo impacto, acontece de novo. E de novo. Ou seja, o impacto da arte na nossa vida é constante. Por outro lado, eu pensava: "E quando eu morrer, outros filmes tão bons quanto esses, e outras músicas, e livros e quadros surgirão e eu já não estarei mais aqui para ser atingido pela força estética dessas obras." Esse tipo de pensamento mostra bem uma certa insignificância nossa diante da cultura como um todo. Nesse sentido, três músicas me atingiram nesse sentido recentemente. Ou seja, de agora em diante, elas sempre estarão gravadas em mim. Como eu disse, a referência a essas músicas é muito mais para demostrar essa oposição entre finitiude da vida e infinitude da arte do que pela qualidade intrínseca delas, pois certamente daqui há algum tempo outras as substituírão em termos de "the newest new thing", ou seja, a mais nova novidade. Primeiro, Kesha. Bandida total, baladeira e badogueira (como diríamos aqui em Salvador), aparece quase sempre nos vídeos caindo aos pedaços depois de alguma zona (haja vista seu maior sucesso "Tik Tok"). Porém, eu gosto de algumas coisas, principalmente da voz, da imagem (beirando o non sense, como em "We R who we R") e do estilo de teclado, algo entre o minimalismo e uns compassos estranhos (4x3), que dão uma quebrada interessante na música, principalmente quando se fala em dance music, que sempre corre o risco de virar um bate-estaca sem identidade. Isso pode ser visto também em "Just Dance", de Lady Gaga (que claro que merecia um post só dela aqui), "Everytime we touch", de David Guetta (idem) e "Move for me", de Kaskade & Deadmaus (não chega a merecer um post não). Assim, curti muito essa "We R who we R", que segue no link abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=mXvmSaE0JXA Outra música que grudou nas minhas meninges foi "Eterno Retorno" do Medulla. O Medulla são os irmãos Queops e Raoni e banda. Os caras são muito bons nessa de fazer música num formato bem diferente, flertando com o pop, mas com um gosto de alguma coisa muito estranha no fim da primeira mordida. Guitarras e bateria em descompasso, frases intencionalmente incompleta. Não é exatamente música para cantar no churrasco ou na rodinha de violão na ilha. Mas é música entendida como um produto estético completo, ou seja, letras extremamente engenhosas, inteligentes e poéticas, com uma linguagem visual própria, como se pode ver em videos como "Munição na Mamadeira", "O Novo" e esse "O Eterno Retorno", que segue no link abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=3tfYkeGWOgs E para finalizar, o que dizer de Janelle Monae. Somente que não mais imagino minha vida sem ela. Zapeando pela tv, passo pela MTV (que ainda é capaz de revelar algumas coisas) e vejo Janelle Monae dançando à la James Brown, no ritmo alucinante de "Tightrope". Fisgado que estava, fui atrás da enciclopédia dos novos tempos: o youtube (cada geração tem a enciclopédia que merece: os iluministas tinham Diderot, nos temos o Google). E lá encontro "Cold War". Música e videos maravilhosos. A música tem toda a raiva, melancolia, contradições e desabafos que poderia haver numa música que desce fundo em relacionamentos mal resolvidos. Já o video é uma homenagem óbvia a Sinead O'Connor em "Nothing Compares to You": o mesmo enquadramento fixo no rosto, as mesmas lágrimas claramente verdadeiras. O mesmo estilo já tinha sido usado por Alanis Morissette (sem lagrimas) em "Head over feet" e Jamiroquai (em tons de cinza) em "Half the man". Mas o impacto de "Cold War" é arrasador, conforme se pode ver no link abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=lqmORiHNtN4 Já me despedindo, não poderia, num post falando em música, não dar alguma esperança ao colega Elisieu de que ainda existe algumas coisas iguamente novas e boas rolando por ai para quem está disposto a procurar. Vai pelo menos duas indicações (ficando no campo do rock em suas múltiplas facetas): "I know what i am" - The Band of Skulls - powertrio barulhento (como só os bons powertrios conseguem - Nirvana e Cream que o digam), que às vezes parece puxar - pelo menos nessa música - quase para um "dirty country", se é que isso existe. Se fosse para resumir diria: uma colisão entre Public Enemy, Kings of Leon e uma colherinha de psicoldelia à la Jefferson Airplane. Segue link: http://www.youtube.com/watch?v=fKL2prSqDQI "Lights" - Interpol - Beeemmm estranho. Trombei com esse video no pior horário possível: duas da manhã. Já conhecia o Interpol de "There's no I in threesome" (que já vale ouvir só pelo título) e resolvi ver o video. O começo é uma mistura de curiosidade e medo do que vai acontecer. E diferentemente de 99% das expectativas desse tipo, o final do clipe não frustra, mas, pelo contrário, choca ainda mais do que qualquer coisa que você poderia esperar (a não ser que você tenha uma imaginação ainda mais fértil que a minha). A músíca, longe de ser um detalhe, é a trilha sonora perfeita para essa viagem ao lado mais encondido da nossa mente. A voz do Paul Banks emoldurada por um riff de guitarra magistral dá o tom ideal para a mente doentia do diretor Charlie White trabalhar. Vale a pena tanto pelas imagens quanto pelo som. Mas sugiro assitir as três da tarde ou as dez da manhã, por via das dúvidas. Segue o link: http://www.youtube.com/watch?v=7_CalTEVCOs
sábado, 5 de março de 2011
A Minha Cidade a Pés
Olá novamente. Novamente porque fiquei sem pôr os pés aqui por muito tempo desde a última postagem, onde dizia que esperava não ficar tanto tempo fora. Porém, lembrem-se que criei esse blog com uma condição: não ter obrigatoriedade de atualizá-lo. Ocorre que isso é condição sine qua non para se criar um blog!! Por que alguém leria algo hoje para saber que, daqui há um mês, encontrará a mesma coisa se olhar o blog novamente. Esse sentimento de culpa quase me faz querer mudar o nome do blog para "cartas para mim mesmo". Pelo menos seria menos angustiante saber que a única pessoa que lê essas mal escritas linhas sou eu mesmo e, é claro, eventualmente Juli, minha cúmplice. Ah, agora uma terceira pessoa sabe desse blog também, o Eliziel, figuraça com quem bato altos papos no fim do expediente da SEDHAM (na verdade, os papos são tão legais que se estendem pelo fim do expediente adentro, até que finalmente o cara cansa de se submeter a minha verborragia. Mas certamente é uma das poucas pessoas que eu conheço que sabe que slipknot não é marca de batom e que o cinema não é feito só de Titanic, mas de coisas singelas como Centopéia Humana e Holocausto Cannibal.) Mas a menos que The Platelminto's (nome fictício que dei à quase-banda de rock que ele teve) anunciem um retorno triunfal ao cenário rocker baiano, o velho Eliziel não é o tema desse post, mas sim a minha cidade.
Esse post, na verdade, descreve algo que faz parte dos meus "hábitos estranhos", entre os quais também podem se enquadrar o fato de eu só tomar café a partir das 17:00 no trabalho (alguns colegas costumam acertar o relógio quando eu me dirijo à garrafa térmica) e a minha preferência por chafurdar na poeira de sebos antigos ao invés de ir a uma livraria devidamente climatizada como a Cultura do Shopping Salvador (maravilhosa por sinal!) ou a LDM na Piedade (meu oásis no pós-almoço, sempre na Fazendinha, na lateral do Center Lapa). Esse hábito consiste em "flanar" pela cidade. Não sei se posso aportuguesar assim a expressão "flâneur", que ficou famosa nos versos de Charles Baudelaire (autor de "Flores do Mal"), mas trata-se de andar pela cidade, sem destinos ou horários pré-determinados. Digo hábito porque faço isso com alguma constância, apesar de bem menos do que já fiz no passado e do que gostaria de ainda poder fazer. O fato é que o Centro da cidade tem um simbolismo forte para mim. Interessante que não se trata do Centro que tem como marco o Pelourinho ou a Praça Municipal, mas sim o Centro que tem por origem a Estação da Lapa. Como usuário do sistema de ônibus até o final de 2008, tenho lembranças de estar sempre passando pela Lapa a caminho de algum lugar. Até que desenvolvi a mania de também passar pela Lapa a caminho de lugar nenhum. Estou tentando lembrar se, na infância ou adolescência, eu tinha algum motivo em especial para ir tanto à Lapa e realmente não me lembro. Nunca estudei no Central ou trabalhei na Avenida Sete. Sei que de 2001 em diante, por razões de trabalho e do coração, tive um itinerário bem intenso que começava, de manhã, no Porto da Barra, na ARCON - Arquitetura e Consultoria Ltda, meu primeiro trabalho como urbanista recém-formado, à convite do grande Claudson Moreira (quando eu estava deixando o estágio na SEPLAM, em 1999, ele estava entrando na secretaria. Alguns poucos meses de convivência foram suficientes para que ele me desse minha primeira chance de trabalho. E me rendesse um fato que eu repito sempre e me enche de orgulho: me formei numa sexta-feira, as festas se estenderam até o sábado e a recuperação tomou todo o domingo. Na segunda, de manhã, meu telefone tocou e, com o convite de Claudson para trabalhar no PEMAS de Candeias, eu já estava empregado antes mesmo de procurar emprego). Depois eu ia para a Ladeira da Misericórdia, do lado da prefeitura, onde ficava a Fundação Ondazul (cuja experiência ao lado de Eduardo Neira e Cia mereceriam não um, mais vários posts. Vou colocar aqui no blog um texto que conta um pouco dessa relação com a Fundação Ondazul e com Eduardo Neira em especial). Depois caminhava até a casa da professora Palácios (outra figura importantíssima para mim e que merece e terá um post aqui), na Cruz de Pascoal, entre o Pelourinho e o Santo Antônio Além do Carmo. Lá estava no paraíso, pois para um leitor fanático como sou (e cujo fanatismo só tem piorado com os anos), a casa de Palácios é algo como a Fábrica de Chocolates de Willy Wonka, pois parece feita de livros, do piso ao teto (incluindo as paredes, forradas de livros em enormes estantes). Lá passava algumas horas deliciosas catalogando os livros dessa mestra tão admirada. Ao final, dava uma andada "monstro", mas por uma boa causa: namorar no Duque de Windsor, na Piedade, de onde descia, acompanhado, para terminar meu dia na Estação da Lapa. Por esses e outros motivos, a Estação da Lapa tem um lugar especial no meu mapa topofílico (ou seja, aquele mapa formado pelos lugares que gostamos e que constituem a nossa cidade interior, nossa endocidade, como chamo em um texto que apresentei num seminário sobre espaços públicos, a pedido da professora Míriam Velasco. Essa também tem direito à post, com certeza. E post com sotaque colombiano, como sua conterrânea Shakira. Vou colocar aqui também esse texto).
Bom, mas voltando ao bovino criogenado (a.k.a. vaca fria), falávamos de flanar pela cidade do Salvador, sem eira nem beira, horários ou compromissos. Essa "escapadinha" se deu na ausência da minha querida Juli, que estava num curso de interpretação teatral no Rio de Janeiro. Aproveitando a ausência (pense bem: como você reagiria se seu namorado(a) dissesse que vai dar uma volta, sem destino certo ou horário para voltar? Se você respondeu que não acharia nada demais, certamente seu nome não é Juli Arize...) Pois bem, no último final de semana "livre" (entre aspas, porque adoro saber que vou ficar "preso" a ela por muitos anos), aproveitei para retomar esse velho hábito e, literalmente, sair por ai. Comecei pegando o carro (calma, quando falei de percorrer a cidade a pés, foi exatamente isso que quis dizer) e fui até o Center Lapa (ahaa!) e deixei o carro devidamente guardado. E de lá comecei o verdadeiro flanar. Sem destino pré-definido, pensei um pouco e decidi: Berinjela. Local também digno de post, o Berinjela é um sebo/lanchonete/espaço cultural que fica num bequinho próximo à Rua Chile. Com dois andares, tem um dos atributos que mais aprecio em um lugar: pilhas e pilhas de livros, numa organização que beira o caos (em sua versão criativa, à la James Gleick). Além disso, conta com a presença do simpaticíssimo Jorge, ex-industrial que agora se dedica ao Berinjela e com quem já fiz alguns negócios da China (entre os quais clássicos como A Questão Urbana, de Manuel Castells; a Democracia na América, de Tocqueville; e Uma Teoria da Justiça, de John Ralws, todos por R$ 15 reais ou menos). Falar do Berinjela me lembro dos tantos outros sebos que conheço (Papirus, Graúna, Brandão...), que valeria a pena fazer também um post sobre eles. Anotado. Bem, colocando as pernas para funcionar, sai do Center Lapa, atravessei a Praça da Piedade, chegando ao Relógio de São Pedro, de onde desci a Avenida Sete de Setembro. Só nesse trecho, você já vê o movimento, as pessoas, os prédios, a mistura de tudo que faz o cenário das ruas dessa cidade. Todos os cheiros e cores, toda a urbanocinética que vivifica a estrutura construída e reconstruída ao longo de tantas gerações, superpostas, mas entrevistas pelas frestas que conectam a cidade antiga ao mar de sempre, como o que explode aos nossos olhos quando chegamos à Praça Castro Alves, e vemos todo aquele conjunto de águas aos pés do poeta, como a regar os seus ossos que jazem sob o monumento (essa vista é particularmente bonita do alto do Espaço Cultural Unibanco - Cine Glauber Rocha, que eu recomendo). Seguindo pela rua principal, entro no beco do Berinjela e me deparo com...grades. Era sábado, quase quatro horas e ele estava fechado. Bom, decepções à parte, não desanimei e parti para a Praça Municipal, de onde apreciei aquela bela vista da Baia de Todos os Santos. Diante daquela paisagem, refleti sobre o próximo rumo. Quando me virei, a resposta lá estava: o Palácio Rio Branco. Aquele construção imponente em frente à Prefeitura, na qual só tinha entrado por ocasião de um lançamento promovido pela professora Débora Nunes (outro post, com certeza!!), porém à noite. Lá estava de portas abertas para mim e nele penetrei como os diversos turistas que já invadem a cidade. Lá, além de apreciar a bela arquitetura, fui a uma das varandas e me deparei com uma vista inesquecível. De frente para um dia belíssimo, um céu de azul impactante, em perfeita sintonia com o azul do mar, debrucei-me sobre a balaustrada e pude imaginar como, há séculos atrás, a fina flor da aristocracia baiana deleitava-se como aquela vista. Realmente vale a pena ser vista por todos, como convém aos nossos tempos democráticos. Em seguida, ainda pude apreciar, em outra sala do palácio, uma exposição sobre os governadores da Bahia (pois ali era a sede do governo do estado) muito interessante, onde obras volumosas dão, por exemplo, a dimensão intelectual de Luís Vianna Filho. Dali, intencionando ir até o Largo do Carmo, atravessei a Praça da Sé e o Terreiro de Jesus, adentrando em seguida o Largo do Pelourinho. Mas quando cheguei lá embaixo e encarei a ladeira em direção ao Santo Antônio, admito que desisti. Novamente em meio às várias alternativas de destino possíveis para quem não tem nenhuma linha de chegada prévia, pensei: "Pôr do Sol no café da Aliança Francesa." Sem tempo a perder devido à distância e ao horário (condicionado à velocidade do sol, bem mais poética que a velocidade da luz, apesar de conceitualmente tão próximas), pus sebo (de outro tipo, menos cultural e mais metafórico) nas canelas e pedi ajuda a todos os orijás para subir de volta a ladeira do Largo do Pelourinho. Atravessando de volta a Praça da Sé, não pude deixar de notar a Cruz Caída, de onde também se tem uma bela vista da Baía. Fui até lá e me vi dentro de outra cena inusitada e preciosa. Lá, um jovem com uma longa trança loura tocava violão em meio ao cenário, que contrastava a brancura do piso, o verde das copas das árvores e o azul do céu. A música, algo entre o flamenco moderno e o barroco medieval, me encantou e lá permaneci, sentado nos degraus da escadaria feita de arquibancada por mais alguns interessado. Após uns vinte minutos, pus algumas moedas no chapéu daquele jovem músico e o imaginei, tocando nas mais diversas praças do mundo (Buenos Aires, Barcelona, Paris), acompanhando apenas do violão, do pequeno amplificador, e tendo como sustento apenas o aplauso incerto da sua arte. Novamente em movimento, preparo-me para subir a Carlos Gomes, quando me lembro do Centro Cultural da Caixa. Sempre com boas exposições, desta vez não foi diferente. Lá passei algum tempo apreciando uma bela exposição de fotos e videos sobre o Kuarup, o tradicional ritual dos índios do Xingú, registrando o trabalho dos irmãos Villas-Boas. Das fotos e histórias alí expostas, uma me impressionou sem um porquê específico: a foto de um índio andando, impávido, como que em direção ao seu destino, tendo ao fundo uma enorme oca de palha. Essa certeza do homem primitivo diante do seu destino, uma certeza que está além de toda a inteligência do homem moderno, que lutou para se livrar do julgo de um deus que lhe definia o lugar no mundo, e que agora enfrenta, lado a lado, o peso da responsabilidade sobre seu futuro e o vácuo de consciência diante dele. Essa certeza ancestral (e sua superioridade em relação às previsões precárias que estão ao alcance da nossa inteligência terrenamente tecnológica) é mostrada de forma magistral na cena final do filme Koyaanisqatsi (que mostra a decolagem e posterior explosão da Challenger, pontuada pela música brilhante de Philip Glass). A superioridade da nossa raiz ancestral sobre nossas próteses artificiais (do pensamento - computador; do corpo - as máquinas motrizes; ou até da alma - as religiões) está tão impressa naquela foto quanto nesta cena, cujo filme foi indicação da colega Ana Guerra, que integra meu panteão de colegas de trabalho memoráveis. Saindo do Espaço Cultural da Caixa, e seguindo pela Carlos Gomes em direção à Ladeira da Barra, onde fica a Aliança Francesa passei pela Rua do Cabeça, onde, inadvertidamente, achei que era a entrada para chegar ao Museu de Arte Sacra, outro lugar que merece visitação constante. Porém, me enganei e acabei saindo no Largo Dois de Julho. Atravessei o largo reconhecendo naquele também um lugar que tem toda uma atmosfera particular. Lembra um microcosmo, um cisto com vida própria inserido no organismo caótico da cidade. Dalí segui ainda pela Carlos Gomes, quando passei pelo Largo dos Aflitos. Novamente a lembrança da bela vista do mirante dos Aflitos atraiu meus passos. Lá fiquei e pude aproveitar bastante daquela vista, enquanto, atrás de mim, na pequena igrejinha ali localizada, uma missa transcorria, lembrando o contraste entre a natureza ilustrada por aquela baía e a cultura secular dos rituais católicos, me perguntando qual das duas seria uma obra mais digna da assinatura do divino. Dali segui, passando pelo Palácio da Aclamação, onde esperava também fazer uma parada para apreciar suas exposições. Porém, o mesmo estava fechado. Atravessei o Corredor da Vitória, vez ou outra apreciando alguns dos seus prédios de arquitetura imponente (ou extravagante, como a Torre Barcelona, um dos orgulhos da EDEPRIMA Empreendimentos, aos quais deve se juntar o hotel de alto luxo que promete se instalar na antiga sede do Jornal A Tarde. Da EDEPRIMA guardo algumas lembranças de um trabalho que fiz, a convite do colega João Pedro, referente a um investimento no município de Esplanada. Lá conheci figuras interessantes como o Jenner, o Érico Mendonça - atual coordenador do Plano de Desenvolvimento do Turismo Sustentável de Salvador-, entre outros). Chegando a Aliança Francesa, ainda havia tempo quando adentrei ao ambiente do seu bem localizado café e pude apreciar o belo pôr-do-sol. O deleite só não foi maior pois, sentei e durante todo o tempo que lá estive, não me foi oferecido sequer o cardápio para que eu pudesse, como deveria ser o objetivo de toda casa comercial, consumir. Creditando isso ao hábito que outros devem ter de ir até lá apenas para ver o fim do dia, e não necessariamente desfrutar dos crepes, especialidade da cozinha francesa, sai de lá com a intenção de finalizar o dia e retornar ao Center Lapa. Porém, passando pela rua que dá acesso à Graça, lembrei do café que fica no Museu Rodin, sobre o qual li uma boa referência na revista Muito (a qual já me referi aqui). Hora de mais uma experiência inédita. Para lá fui, e, após passar por réplicas que mostram toda a destreza na arte da escultura que fizeram a grandeza merecida de Rodin, pude, enfim, desfrutar um belo cappuccino (minha bebida preferida e que, certamente merece um post. Afinal, que outra bebida você conhece que é protagonista de um filme inteiro, como foi o capputino tão desejado por Bruce Willis em Hudson Hawk – O Falcão Está à Solta?) acompanhado por uma deliciosa torta. Depois, retornei pelo Corredor da Vitória, mas, temendo o deserto que deveria estar a Avenida Sete àquele horário (19:00) de um sábado, fui até a frente do Teatro Castro Alves e peguei um ônibus, saltando em frente ao Center Lapa. Quando me dirigia para a entrada, me ocorreu uma última visita. Confirmando que o shopping funcionava até as 21:00, subi a ladeira ao lado do Center Lapa e fui para um barzinho em frente a Biblioteca Central (são vários, eu sei. Refiro-me ao que fica num centro comercial, onde tem vários lojas.) Lá, enquanto violonista e baterista arrumavam seus instrumentos, pedi um guaraná e uma porção de bolinhos de carne do sol que, para minha surpresa devido às minhas últimas experiência com bolinhos desse tipo em bares desse tipo, estavam ótimos. E lá acabei minha “flanada” pela cidade: desfrutando meu guaraná e meus bolinhos de carne do sol, ao som do repertório de Djavan e Cia, e sob a luz da lua e das estrelas da minha cidade. Uma flanada com direito a tudo que constrói a nossa endocidade: os cinco sentidos. Seja a visão (com a paisagem natural do mar ou com a paisagem artificial da eclética arquitetura de Salvador, que vai do clássico do Palácio Rio Branco ao pós-moderno da Torre Barcelona), seja a audição (com a bela música flamenco-barroca ou com a nossa querida MPB), seja o paladar (com a torta doce e os bolinhos salgados), seja o olfato (com o cheiro do povo atulhado nos becos da cidade e com o aroma das flores dos jardins do Museu Rodin). Mas principalmente com o tato (com o tato cansado do meu pé esquerdo ou com o tato acabado do meu pé direito). Pois para conhecer a cidade, essa cidade de verdade, que é só nossa, a nossa endocidade, só assim. Só a pés.
Esse post, na verdade, descreve algo que faz parte dos meus "hábitos estranhos", entre os quais também podem se enquadrar o fato de eu só tomar café a partir das 17:00 no trabalho (alguns colegas costumam acertar o relógio quando eu me dirijo à garrafa térmica) e a minha preferência por chafurdar na poeira de sebos antigos ao invés de ir a uma livraria devidamente climatizada como a Cultura do Shopping Salvador (maravilhosa por sinal!) ou a LDM na Piedade (meu oásis no pós-almoço, sempre na Fazendinha, na lateral do Center Lapa). Esse hábito consiste em "flanar" pela cidade. Não sei se posso aportuguesar assim a expressão "flâneur", que ficou famosa nos versos de Charles Baudelaire (autor de "Flores do Mal"), mas trata-se de andar pela cidade, sem destinos ou horários pré-determinados. Digo hábito porque faço isso com alguma constância, apesar de bem menos do que já fiz no passado e do que gostaria de ainda poder fazer. O fato é que o Centro da cidade tem um simbolismo forte para mim. Interessante que não se trata do Centro que tem como marco o Pelourinho ou a Praça Municipal, mas sim o Centro que tem por origem a Estação da Lapa. Como usuário do sistema de ônibus até o final de 2008, tenho lembranças de estar sempre passando pela Lapa a caminho de algum lugar. Até que desenvolvi a mania de também passar pela Lapa a caminho de lugar nenhum. Estou tentando lembrar se, na infância ou adolescência, eu tinha algum motivo em especial para ir tanto à Lapa e realmente não me lembro. Nunca estudei no Central ou trabalhei na Avenida Sete. Sei que de 2001 em diante, por razões de trabalho e do coração, tive um itinerário bem intenso que começava, de manhã, no Porto da Barra, na ARCON - Arquitetura e Consultoria Ltda, meu primeiro trabalho como urbanista recém-formado, à convite do grande Claudson Moreira (quando eu estava deixando o estágio na SEPLAM, em 1999, ele estava entrando na secretaria. Alguns poucos meses de convivência foram suficientes para que ele me desse minha primeira chance de trabalho. E me rendesse um fato que eu repito sempre e me enche de orgulho: me formei numa sexta-feira, as festas se estenderam até o sábado e a recuperação tomou todo o domingo. Na segunda, de manhã, meu telefone tocou e, com o convite de Claudson para trabalhar no PEMAS de Candeias, eu já estava empregado antes mesmo de procurar emprego). Depois eu ia para a Ladeira da Misericórdia, do lado da prefeitura, onde ficava a Fundação Ondazul (cuja experiência ao lado de Eduardo Neira e Cia mereceriam não um, mais vários posts. Vou colocar aqui no blog um texto que conta um pouco dessa relação com a Fundação Ondazul e com Eduardo Neira em especial). Depois caminhava até a casa da professora Palácios (outra figura importantíssima para mim e que merece e terá um post aqui), na Cruz de Pascoal, entre o Pelourinho e o Santo Antônio Além do Carmo. Lá estava no paraíso, pois para um leitor fanático como sou (e cujo fanatismo só tem piorado com os anos), a casa de Palácios é algo como a Fábrica de Chocolates de Willy Wonka, pois parece feita de livros, do piso ao teto (incluindo as paredes, forradas de livros em enormes estantes). Lá passava algumas horas deliciosas catalogando os livros dessa mestra tão admirada. Ao final, dava uma andada "monstro", mas por uma boa causa: namorar no Duque de Windsor, na Piedade, de onde descia, acompanhado, para terminar meu dia na Estação da Lapa. Por esses e outros motivos, a Estação da Lapa tem um lugar especial no meu mapa topofílico (ou seja, aquele mapa formado pelos lugares que gostamos e que constituem a nossa cidade interior, nossa endocidade, como chamo em um texto que apresentei num seminário sobre espaços públicos, a pedido da professora Míriam Velasco. Essa também tem direito à post, com certeza. E post com sotaque colombiano, como sua conterrânea Shakira. Vou colocar aqui também esse texto).
Bom, mas voltando ao bovino criogenado (a.k.a. vaca fria), falávamos de flanar pela cidade do Salvador, sem eira nem beira, horários ou compromissos. Essa "escapadinha" se deu na ausência da minha querida Juli, que estava num curso de interpretação teatral no Rio de Janeiro. Aproveitando a ausência (pense bem: como você reagiria se seu namorado(a) dissesse que vai dar uma volta, sem destino certo ou horário para voltar? Se você respondeu que não acharia nada demais, certamente seu nome não é Juli Arize...) Pois bem, no último final de semana "livre" (entre aspas, porque adoro saber que vou ficar "preso" a ela por muitos anos), aproveitei para retomar esse velho hábito e, literalmente, sair por ai. Comecei pegando o carro (calma, quando falei de percorrer a cidade a pés, foi exatamente isso que quis dizer) e fui até o Center Lapa (ahaa!) e deixei o carro devidamente guardado. E de lá comecei o verdadeiro flanar. Sem destino pré-definido, pensei um pouco e decidi: Berinjela. Local também digno de post, o Berinjela é um sebo/lanchonete/espaço cultural que fica num bequinho próximo à Rua Chile. Com dois andares, tem um dos atributos que mais aprecio em um lugar: pilhas e pilhas de livros, numa organização que beira o caos (em sua versão criativa, à la James Gleick). Além disso, conta com a presença do simpaticíssimo Jorge, ex-industrial que agora se dedica ao Berinjela e com quem já fiz alguns negócios da China (entre os quais clássicos como A Questão Urbana, de Manuel Castells; a Democracia na América, de Tocqueville; e Uma Teoria da Justiça, de John Ralws, todos por R$ 15 reais ou menos). Falar do Berinjela me lembro dos tantos outros sebos que conheço (Papirus, Graúna, Brandão...), que valeria a pena fazer também um post sobre eles. Anotado. Bem, colocando as pernas para funcionar, sai do Center Lapa, atravessei a Praça da Piedade, chegando ao Relógio de São Pedro, de onde desci a Avenida Sete de Setembro. Só nesse trecho, você já vê o movimento, as pessoas, os prédios, a mistura de tudo que faz o cenário das ruas dessa cidade. Todos os cheiros e cores, toda a urbanocinética que vivifica a estrutura construída e reconstruída ao longo de tantas gerações, superpostas, mas entrevistas pelas frestas que conectam a cidade antiga ao mar de sempre, como o que explode aos nossos olhos quando chegamos à Praça Castro Alves, e vemos todo aquele conjunto de águas aos pés do poeta, como a regar os seus ossos que jazem sob o monumento (essa vista é particularmente bonita do alto do Espaço Cultural Unibanco - Cine Glauber Rocha, que eu recomendo). Seguindo pela rua principal, entro no beco do Berinjela e me deparo com...grades. Era sábado, quase quatro horas e ele estava fechado. Bom, decepções à parte, não desanimei e parti para a Praça Municipal, de onde apreciei aquela bela vista da Baia de Todos os Santos. Diante daquela paisagem, refleti sobre o próximo rumo. Quando me virei, a resposta lá estava: o Palácio Rio Branco. Aquele construção imponente em frente à Prefeitura, na qual só tinha entrado por ocasião de um lançamento promovido pela professora Débora Nunes (outro post, com certeza!!), porém à noite. Lá estava de portas abertas para mim e nele penetrei como os diversos turistas que já invadem a cidade. Lá, além de apreciar a bela arquitetura, fui a uma das varandas e me deparei com uma vista inesquecível. De frente para um dia belíssimo, um céu de azul impactante, em perfeita sintonia com o azul do mar, debrucei-me sobre a balaustrada e pude imaginar como, há séculos atrás, a fina flor da aristocracia baiana deleitava-se como aquela vista. Realmente vale a pena ser vista por todos, como convém aos nossos tempos democráticos. Em seguida, ainda pude apreciar, em outra sala do palácio, uma exposição sobre os governadores da Bahia (pois ali era a sede do governo do estado) muito interessante, onde obras volumosas dão, por exemplo, a dimensão intelectual de Luís Vianna Filho. Dali, intencionando ir até o Largo do Carmo, atravessei a Praça da Sé e o Terreiro de Jesus, adentrando em seguida o Largo do Pelourinho. Mas quando cheguei lá embaixo e encarei a ladeira em direção ao Santo Antônio, admito que desisti. Novamente em meio às várias alternativas de destino possíveis para quem não tem nenhuma linha de chegada prévia, pensei: "Pôr do Sol no café da Aliança Francesa." Sem tempo a perder devido à distância e ao horário (condicionado à velocidade do sol, bem mais poética que a velocidade da luz, apesar de conceitualmente tão próximas), pus sebo (de outro tipo, menos cultural e mais metafórico) nas canelas e pedi ajuda a todos os orijás para subir de volta a ladeira do Largo do Pelourinho. Atravessando de volta a Praça da Sé, não pude deixar de notar a Cruz Caída, de onde também se tem uma bela vista da Baía. Fui até lá e me vi dentro de outra cena inusitada e preciosa. Lá, um jovem com uma longa trança loura tocava violão em meio ao cenário, que contrastava a brancura do piso, o verde das copas das árvores e o azul do céu. A música, algo entre o flamenco moderno e o barroco medieval, me encantou e lá permaneci, sentado nos degraus da escadaria feita de arquibancada por mais alguns interessado. Após uns vinte minutos, pus algumas moedas no chapéu daquele jovem músico e o imaginei, tocando nas mais diversas praças do mundo (Buenos Aires, Barcelona, Paris), acompanhando apenas do violão, do pequeno amplificador, e tendo como sustento apenas o aplauso incerto da sua arte. Novamente em movimento, preparo-me para subir a Carlos Gomes, quando me lembro do Centro Cultural da Caixa. Sempre com boas exposições, desta vez não foi diferente. Lá passei algum tempo apreciando uma bela exposição de fotos e videos sobre o Kuarup, o tradicional ritual dos índios do Xingú, registrando o trabalho dos irmãos Villas-Boas. Das fotos e histórias alí expostas, uma me impressionou sem um porquê específico: a foto de um índio andando, impávido, como que em direção ao seu destino, tendo ao fundo uma enorme oca de palha. Essa certeza do homem primitivo diante do seu destino, uma certeza que está além de toda a inteligência do homem moderno, que lutou para se livrar do julgo de um deus que lhe definia o lugar no mundo, e que agora enfrenta, lado a lado, o peso da responsabilidade sobre seu futuro e o vácuo de consciência diante dele. Essa certeza ancestral (e sua superioridade em relação às previsões precárias que estão ao alcance da nossa inteligência terrenamente tecnológica) é mostrada de forma magistral na cena final do filme Koyaanisqatsi (que mostra a decolagem e posterior explosão da Challenger, pontuada pela música brilhante de Philip Glass). A superioridade da nossa raiz ancestral sobre nossas próteses artificiais (do pensamento - computador; do corpo - as máquinas motrizes; ou até da alma - as religiões) está tão impressa naquela foto quanto nesta cena, cujo filme foi indicação da colega Ana Guerra, que integra meu panteão de colegas de trabalho memoráveis. Saindo do Espaço Cultural da Caixa, e seguindo pela Carlos Gomes em direção à Ladeira da Barra, onde fica a Aliança Francesa passei pela Rua do Cabeça, onde, inadvertidamente, achei que era a entrada para chegar ao Museu de Arte Sacra, outro lugar que merece visitação constante. Porém, me enganei e acabei saindo no Largo Dois de Julho. Atravessei o largo reconhecendo naquele também um lugar que tem toda uma atmosfera particular. Lembra um microcosmo, um cisto com vida própria inserido no organismo caótico da cidade. Dalí segui ainda pela Carlos Gomes, quando passei pelo Largo dos Aflitos. Novamente a lembrança da bela vista do mirante dos Aflitos atraiu meus passos. Lá fiquei e pude aproveitar bastante daquela vista, enquanto, atrás de mim, na pequena igrejinha ali localizada, uma missa transcorria, lembrando o contraste entre a natureza ilustrada por aquela baía e a cultura secular dos rituais católicos, me perguntando qual das duas seria uma obra mais digna da assinatura do divino. Dali segui, passando pelo Palácio da Aclamação, onde esperava também fazer uma parada para apreciar suas exposições. Porém, o mesmo estava fechado. Atravessei o Corredor da Vitória, vez ou outra apreciando alguns dos seus prédios de arquitetura imponente (ou extravagante, como a Torre Barcelona, um dos orgulhos da EDEPRIMA Empreendimentos, aos quais deve se juntar o hotel de alto luxo que promete se instalar na antiga sede do Jornal A Tarde. Da EDEPRIMA guardo algumas lembranças de um trabalho que fiz, a convite do colega João Pedro, referente a um investimento no município de Esplanada. Lá conheci figuras interessantes como o Jenner, o Érico Mendonça - atual coordenador do Plano de Desenvolvimento do Turismo Sustentável de Salvador-, entre outros). Chegando a Aliança Francesa, ainda havia tempo quando adentrei ao ambiente do seu bem localizado café e pude apreciar o belo pôr-do-sol. O deleite só não foi maior pois, sentei e durante todo o tempo que lá estive, não me foi oferecido sequer o cardápio para que eu pudesse, como deveria ser o objetivo de toda casa comercial, consumir. Creditando isso ao hábito que outros devem ter de ir até lá apenas para ver o fim do dia, e não necessariamente desfrutar dos crepes, especialidade da cozinha francesa, sai de lá com a intenção de finalizar o dia e retornar ao Center Lapa. Porém, passando pela rua que dá acesso à Graça, lembrei do café que fica no Museu Rodin, sobre o qual li uma boa referência na revista Muito (a qual já me referi aqui). Hora de mais uma experiência inédita. Para lá fui, e, após passar por réplicas que mostram toda a destreza na arte da escultura que fizeram a grandeza merecida de Rodin, pude, enfim, desfrutar um belo cappuccino (minha bebida preferida e que, certamente merece um post. Afinal, que outra bebida você conhece que é protagonista de um filme inteiro, como foi o capputino tão desejado por Bruce Willis em Hudson Hawk – O Falcão Está à Solta?) acompanhado por uma deliciosa torta. Depois, retornei pelo Corredor da Vitória, mas, temendo o deserto que deveria estar a Avenida Sete àquele horário (19:00) de um sábado, fui até a frente do Teatro Castro Alves e peguei um ônibus, saltando em frente ao Center Lapa. Quando me dirigia para a entrada, me ocorreu uma última visita. Confirmando que o shopping funcionava até as 21:00, subi a ladeira ao lado do Center Lapa e fui para um barzinho em frente a Biblioteca Central (são vários, eu sei. Refiro-me ao que fica num centro comercial, onde tem vários lojas.) Lá, enquanto violonista e baterista arrumavam seus instrumentos, pedi um guaraná e uma porção de bolinhos de carne do sol que, para minha surpresa devido às minhas últimas experiência com bolinhos desse tipo em bares desse tipo, estavam ótimos. E lá acabei minha “flanada” pela cidade: desfrutando meu guaraná e meus bolinhos de carne do sol, ao som do repertório de Djavan e Cia, e sob a luz da lua e das estrelas da minha cidade. Uma flanada com direito a tudo que constrói a nossa endocidade: os cinco sentidos. Seja a visão (com a paisagem natural do mar ou com a paisagem artificial da eclética arquitetura de Salvador, que vai do clássico do Palácio Rio Branco ao pós-moderno da Torre Barcelona), seja a audição (com a bela música flamenco-barroca ou com a nossa querida MPB), seja o paladar (com a torta doce e os bolinhos salgados), seja o olfato (com o cheiro do povo atulhado nos becos da cidade e com o aroma das flores dos jardins do Museu Rodin). Mas principalmente com o tato (com o tato cansado do meu pé esquerdo ou com o tato acabado do meu pé direito). Pois para conhecer a cidade, essa cidade de verdade, que é só nossa, a nossa endocidade, só assim. Só a pés.
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