terça-feira, 24 de maio de 2011

Sebos na Memória

A estudante de jornalismo da Faculdade Social, Laís Santos, está fazendo um trabalho de conclusão de curso sobre os sebos em Salvador. Quando ela ligou para o Pedro, dono do Sebo Berinjela, eu estava lá. Ela pediu indicações de freqüentadores e ele passou meu número. Ela me ligou, conversamos sobre a pesquisa e ela me mandou uma relação de perguntas. Como adoro livros, e já tinha me comprometido a fazer um posto sobre sebos aqui no blog, segue as minhas respostas como um aperitivo de um futuro post especialmente dedicado ao tema.

1) Para você, o que é um sebo?
R - Numa definição formal, podemos dizer que sebo é um lugar especializado na compra, venda e troca de livros usados. Porém, para mim, os sebos são territórios a serem explorados, pois, diferentes das livrarias, não basta só ir no balcão e pedir o livro que se quer. É preciso explorar as estantes, procurar nas brechas, tirar os livros de baixo das pilhas, para encontrar "aquela" preciosidade. Para mim, cada sebo é uma mina de ouro que merece ser garimpada com cuidado. O resultado vale a pena em 99% dos casos.
















2) Como e por que você começou a frequentar esses estabelecimentos?
R - Acredito que isso tenha a ver com o hábito da leitura, estimulado tanto pelo meu pai quanto pela minha mãe. Meu pai toda sexta-feira, me dava uma grana para comprar quadrinhos. Por outro lado, minha mãe era professora e sempre recebia todo mês dois livros da coleção Vagalume, os quais eu esperava ansioso. Quando entrei na faculdade de urbanismo, na UNEB, em 1996, meu pai me levou para minha primeira feira de livros, no Shopping Piedade, onde comprei meus primeiros livros (lembro que na feira se comprava livro a metro, a quilo e a unidade). Desde então, tornei-me um obcecado por livros, mais especificamente pela garimpagem de preciosidades literárias. Antes de tornar-me um usuário de sebos, minha predileção eram as feiras de livros e, mais ainda, os saldões, ou seja, aquelas mesas colocados na frente das velhas pequenas livrarias de Salvador (como a DILISA e a Civilização Brasileira, que praticamente já não existem mais). Sempre considerei os saldões melhores que os sebos, pois a referência de sebo que tinha era o Brandão, que foi o primeiro sebo que visitei (já em 1997, quando entrei na faculdade de Direito da UFBA, pois ele era o mais conhecido em 1997, como é até hoje), onde comprei meu primeiro livro de sebo (Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara). Ocorre que a ida ao sebo foi justamente pelo motivo que não gosto: fui porque queria comprar livros específicos, como numa livraria. O preço não foi tão atraente quanto aqueles que eu estava acostumado a pagar nos saldões. Então para mim, ficou a dicotomia: nos saldões, a intenção dos donos é se livrar de livros que estão ocupando espaço; dai a variedade e o preço mais baixo; nos sebos, os donos sabem o real valor dos livros, o que dificulta achar preços realmente mais baixos. Assim, só passei a frequentar sebos quando os saldões começaram a rarear em Salvador, quando as pequenas livrarias começaram a fechar. Uma das últimas a fechar foi a DILISA da Rua da Ajuda, próximo a Praça Municipal. Logo em frente abriu o Sebo Berinjela, que aos poucos foi atraindo minha atenção pela quantidade, mas também pelo preço (sempre metade do que estava escrito no fundo do livro). Já tinha visitado outros sebos, como o Graúna, que ficava próximo ao Hotel da Bahia; a Casa do Livro, na Ladeira do Corpo de Bombeiros; Um outro que ficava num prédio na Praça da Sé (cujos livros vi, lá de baixo, através da janela e tratei logo de ir atrás); outro que fica na rua paralela à Manoel Dias da Silva, na Pituba; os dois da Estação da Lapa (e o Papirus, que fica do lado de fora, e outro que fica logo no começo, em frente ao ponto do ônibus Boca do Rio); um pequeno que fica na Av. Centenário; houve também um sebo no Aeroclube Plaza Show; o próprio Brandão; e um pequeno, que abriu a pouco num prédio próximo ao Brandão. E assim por diante. Com o fim dos saldões (o que restou foi o da LDM da Piedade, onde há pouco achei algumas coisas bem legais, além da Bienal do Livro, que sempre traz coisas interessantes a preços baixos), os sebos foram se tornando uma opção cada vez mais comum. O que ajudou a desfazer minha primeira imagem dos sebos, pois dá para fazer ótimos negócios também em termos de preços. Mas, o mais importante para mim, é a possibilidade de negociar e de encontrar preciosidades, como as que tenho encontrado ao longo desses anos de visitas aos sebos.

3) Qual seu maior prazer em ir a sebos?
R - Sem dúvida a garimpagem. O preço, na verdade, faz parte da garimpagem, pois o grande lance é juntar o excelente livro e o excelente preço. É claro que às vezes você encontra um livro fantástico, que vale a pena comprar pelo preço pedido. Mas o bom mesmo é quando você consegue negociar um preço mais baixo mesmo naquele livro que você pagaria o dobro do que está sendo pedido. A garimpagem, a negociação e a certeza do bom negócio e do bom produto são os elementos necessários para uma visita proveitosa ao sebo.


4) Você frequenta livrarias?
R - Sim. Com a chegada das grandes livrarias como a Nobel, na Pituba, a Saraiva, do Shopping Iguatemi, e finalmente a Cultura, no Shooping Salvador, há também muito prazer em frequentar livrarias. O ideal é quando você pode mesclar tudo, como no caso da LDM da Piedade, que frequento muito. Lá posso juntar um ambiente agradável, as últimas novidades, um gostoso capuccino e, de vez em quando, uma olhadinha nas "novidades" no saldo do andar de cima.

5) Você lembra qual o primeiro sebo em que você entrou? E o primeiro livro que você comprou?
R - Lembro sim. Como disse, o primeiro foi o Brandão, onde comprei Introdução ao Estudo do Direito, de João Bosco Cavalcanti Lara.


6) Você costuma ir a sebos com que frequência? E, sempre que vai, compra livros?
R - Dificilmente deixo de dar uma passada uma ou duas vezes por semana nos sebos que estão no meu caminho (Lapa, Berinjela). Mas nem sempre compro, pois depende de achar alguma coisa interessante (o que demanda um tempinho para dar aquela vasculhada com atenção) e de haver espaço para negociar um bom preço. A regra é: nunca pagar o que está sendo pedido, ainda que no final você pague mais do que sua oferta original. E nem sempre há negociação chega a um bom termo para ambos. Mas dificilmente passo um mês sem adquirir algum livro, seja em sebos (a maioria), seja em livrarias.


7) Além dos livros, você adquire outros produtos em sebos?
R - Não, principalmente porque eu prefiro aqueles mais caóticos, dedicados apenas aos livros, esparramados por todos os lados.

8) Quais as principais vantagens de comprar em sebo?
R - As duas grandes vantagens são o preço e a possibilidade de achar preciosidade, seja pelo valor do livro em si (uma obra clássica, um grande autor, etc), seja pela combinação valor do livro/preço do livro. Além disso, a sensação da descoberta, do "Nossa, não acredito que encontrei esse!" Para aficcionados como eu, essa sensação pode ser tão boa ou melhor do que encontrar um bom livro por um bom preço.

9) Na sua opinião, quais as desvantagens de comprar em sebos?
R - É necessário, obviamente, ter um cuidado a mais ao examinar um lvro no sebo antes de comprar, afinal, trata-se de um livro usado, o que pode implicar em paginas a menos ou com defeitos de impressão que podem prejudicar a leitura. Tratar-se apenas de um livro velho e rabiscado não é problema, desde que você consiga ler o texto original. Mas descobrir defeitos ou páginas a menos é sempre muito chato. Assim, é necessário examinar com calma o livro antes de comprar (o que nem sempre é possível, a depender da empolgação de encontrar "aquele" livro tão desejado).

10) Você utiliza redes virtuais de sebos, como a Estante Virtual?
R - Não, apesar de ser bastante recomendado. Estou pensando em começar a usar, especialmente em função de alguns livros específicos para a pesquisa do meu mestrado atual, que não posso depender de achar ou não nos sebos.

11) Agora, por favor, relembre histórias curiosas [como conversamos por telefone, podem ser histórias de livros que você encontrou ou qualquer outro fato que aconteceu dentro de um sebo].
R - Bom, realmente são muitos anos de sebo e, portanto, muitas histórias. Posso lembrar pelo menos duas. Por conta da faculdade e do trabalho, comecei a fazer algumas viagens e, sempre que chegava a uma cidade grande (Brasília, Rio, São Paulo), buscava logo saber onde ficava o sebo mais próximo. Foi assim na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro. Participei de um concurso de textos promovido pelo Academia Brasileira de Letras, Fiquei em terceiro lugar. Como prêmio, uma passagem de ida e volta ao Rio para receber o prêmio e um valor em dinheiro. Bom, indo ao Rio, não podia pensar em outra coisa: sebos, saldões, livros e mais livros. Perguntei a alguns conhecidos, que me indicaram o "Baratos da Ribeiro", na Av. Barata Ribeiro. Peguei um avião às 07:00, cheguei ao Rio às 09:00 e fui direto do Aeroporto para o "Baratos da Ribeiro". Lá chegando, começei a garimpagem, quando entrou um camarada que falou sobre uma feira de livros. Não pensei duas vezes e perguntei onde estava sendo essa feira. Ele me disse: "Do outro lado da cidade." Fique na dúvida, pois nao conhecia nada do Rio e para chegar lá tinha que ir de metrô. Isso naquela época que só se falava de bala perdida no Rio. Juntei a coragem, pensei nos livros e meti as caras: lá fui eu para o outro lado da cidade, de metro, para cima e para baixo. Mas valeu muito a pena: saindo da estação, dezenas de bancas com livros caindo pelo chão. Me esbaldei, é claro. Quase perco o horário da premiação e pior: quando já estava no taxi, indo para o aeroporto, me dei conta que passei o dia todo no Rio e nada de Pão de Açúcar, Ipanema, Copacabana... quando olhei pela janela, lá estava distante o Cristo Redentor. Moral da história: a máquina fotográfica voltou vazia, mas a mala voltou cheia... de livros.
A segunda história foi aqui em Salvador mesmo. Já tinha ido neste sebo (não vou revelar o nome) e as negociações variavam bastante. Quando era o dono, o negócio era difícil. O cara sabia exatamente quais livros eram mais valiosos e qualquer descontinho mínimo era duro de sair. Já quando era com o ajudante dele, o negócio era moleza. O cara quase sempre aceitava minha primeira oferta. Ou seja, era sopa no mel. Um final de semana tinha ido lá e visto vários livros interessantes, mas o dono estava lá. Pensei, "venho durante a semana". Só que durante a semana, eu trabalho e só dava para ir na hora do almoço. Dito e feito, lá vou eu correndo para o outro lado da cidade, sem ter tempo de almoçar para conseguir comprar os livros. Chegando lá, minha surpresa: o dono estava lá. Bom, já estava lá, não iria dar viagem perdida. Fiquei esperando: 30 minutos, 01 hora, 01:30. Já estava praticamente desmaiando de fome!!, Depois de duas horas, eu já azul de fome, o ajudante finalmente chegou e o dono foi almoçar. Com o resto das forças que tinha, chamei o ajudante e fiz a proposta: não sei se diante do dinheiro vivo ou do meu aspecto já meio morto, o cara aceitou de primeira. Porém, quase 3 horas da tarde, já era o trabalho e eu fui correndo para casa comer alguma coisa. Novamente, moral da história: o estômago estava vazio, mas as mãos estavam cheias de livros e a alma, cheia de alegria.

Essas são algumas das emoções de quem ama os livros e, por tabela, os sebos da nossa cidade e do nosso Brasil.