Esse post, apesar de já decorridos vários dias, ainda está sendo escrito sob o impacto da palestra magistral de Miguel Nicolelis neste mês de julho, no Salão Nobre da UFBA, por ocasião do lançamento do seu livro "Muito Além do Nosso Eu" e do Cafê Científico na Ufba (o CC, que já promovia debates mensais na LDM da Piedade, agora, a cada três meses, promoverá debates também na UFBA). O livro, apesar do título, não é nem de auto-ajuda, nem tem temática espírita. Seu conteúdo foi resumido na palestra de certa de 1:30 e tem a ver com um mundo novo que está sendo criado na nossa frente e que nós ainda não somos capazes de ver. Mas que, de certa forma, eu antevi, em um trecho de um poema meu que está aqui no blog e que diz: "O Corpo é um Equívoco. A mente é a resposta." Nicolelis falou muito da mente, o que me levou institivamente a me perguntar: o que é alma? Ao mistura numa mesma sentença as palavras cérebro (bio), mente (psico) e consciência (sócio), resta alguma lugar para falar em alma? Não "alma" no sentido necessariamente religioso, mas em um sentido duplo: de um elán vital que nos mova em direção a alguma meta-lugar, por um lado, e de uma âncora que nos conecte à realidade, nos dando os referenciais necessários para compormos um ponto de vista a partir do qual nos desloquemos. A matriz bio-psico-sociológica poderia até ser uma primeira pista do que seria essa "realidade" à qual nos ancoramos. Mas e quanto ao que nos move? Isso pode ser reduzido/traduzido a impulsos elétricos e reações químicas? É isso que nos propomos a discutir aqui. A partir de uma rápida apresentação dos argumentos de Nicolelis, e passando por alguns exemplos pop (à maneira de Zizek), poderemos levantar alguns pontos sobre essa questão basilar da nossa existência, dentro, obviamente, dos limites de um post blogônico. Nessa primeira parte do Post, vamos fazer uma breve apresentação das idéias de Nicolelis, em particular a idéia do avatar mental.
Em "Muito Além do Nosso Eu", Nicolelis narra o caminho percorrido até tornar-se um dos mais renomados neurocientistas do mundo, sério candidato à prêmio nobel nos próximos anos. Nesse caminho, suas experiências o levaram aos estudos da comunicação entre o cérebro e o corpo. Seu objetivo não poderia ser mais nobre: possibilitar a pacientes paraplégicos a retomada dos movimentos. Identificando como o cerébro funciona (e entrando ai numa interessante discussão entre duas correntes: os locacionistas, que viam o cérebro como uma loja de departamentos, onde cada parte é responsável por uma função; e os generalistas, que viam o cérebro como uma democracia, onde todos os neurônios, com maior ou menor intensidade, participam de todas as decisões. Essa última visão, da qual Nicolelis é partidário, tem se afirmado nos últimos anos), Nicolelis buscou "traduzir" a tempestade elétrica que ocorre no cérebro, que modo a que os comandos que movem o nosso corpo possam ser transmitidos a um exoesqueleto (um esqueleto mecânico externo ao nosso corpo), que fará o papel dos nossos músculos, possibilitando a execução dos movimentos solicitados pelo nosso cérebro. Isso, por si só, já seria algo fantástico. Porém, as pesquisas de Nicolelis e outros cientistas ao redor do mundo levaram a descobertas ainda mais surpreeendentes sobre como funciona nosso cérebro. Resumindo: uma macaca foi treinada para, movendo um joystick (num mundo de tablets, falar em joystick parece algo pré-histórico), acertar, com um cursor, uma bolinha na tela do computador e ganhar uma recompensa. Enquanto isso, os cientistas registravam e decodificavam os movimentos dos impulsos elétricos transmitidos entre seus neurônios. Num segundo momento, afastaram o joystick da mão da macaca, porém os seus comandos cerebrais eram transmitidos tanto biologicamente para seus braços, quanto eletronicamente para o joystick, que continuava movendo o cursor e garantindo a recompensa. A macaca logo percebeu que movendo os braços, movia o joystick, que movia o cursor e ela continuava ganhando a recompensa. No estágio final, buscou-se isolar o fato biológico dos comandos mentais, justamente o caso dos paraplégicos, onde o comando mental não equivale a um movimento físico. Assim, prenderam os braços da macaca, porém mantiveram sua conexão eletrônica com o joystick. A macaca então percebeu que, mesmo sem mexer os braços, ela comandava o joystick, que comandava o cursor e que lhe garantia a recompensa. Enquanto os cientistas comemoravam a descoberta e tentavam aprimorar o sistema, uma descoberta magnífica ocorreu: com os braços soltos, a macaca não só comandava os movimentos do cursor quanto continuava a usar seus dois braços de forma natural! Ou seja, o cérebro da macaca não substituiu o braço biológico pelo braço mecânico. Ele incorporou mais um braço ao avatar mental do seu corpo. Na verdade o meu espanto maior vem dessa idéia do avatar mental. Ou seja, nosso corpo não é um radar sensorial que diz a nossa mente o que está ao nosso redor. Nosso corpo é uma projeção mental. Isso serve tanto para incorporar um elemento que fisicamente é externo a ele (no caso do braço mecânico da macaca) quando para extenalizar sensações que só existem na nossa mente, como na experiência em que um braço de borracha visível é estimulado simultaneamente com o braço real da pessoa, que está encoberto. Quando esse braço de borracha é esfaqueado, o corpo reage (batimentos cardiácos, pressão arterial, etc) como se fosse o braço real sendo esfaqueado. Assim, a falsidade física do braço de borracha sucumbe diante da sua "realidade" mental. O corpo é o que a mente pensa. Explicadas as idéias gerais de Nicolelis, passemos a uma segunda parte, onde discutiremos os aspectos ético-filosóficos dessa questão, com o apoio de alguns exemplos da cultura pop.
Em "Muito Além do Nosso Eu", Nicolelis narra o caminho percorrido até tornar-se um dos mais renomados neurocientistas do mundo, sério candidato à prêmio nobel nos próximos anos. Nesse caminho, suas experiências o levaram aos estudos da comunicação entre o cérebro e o corpo. Seu objetivo não poderia ser mais nobre: possibilitar a pacientes paraplégicos a retomada dos movimentos. Identificando como o cerébro funciona (e entrando ai numa interessante discussão entre duas correntes: os locacionistas, que viam o cérebro como uma loja de departamentos, onde cada parte é responsável por uma função; e os generalistas, que viam o cérebro como uma democracia, onde todos os neurônios, com maior ou menor intensidade, participam de todas as decisões. Essa última visão, da qual Nicolelis é partidário, tem se afirmado nos últimos anos), Nicolelis buscou "traduzir" a tempestade elétrica que ocorre no cérebro, que modo a que os comandos que movem o nosso corpo possam ser transmitidos a um exoesqueleto (um esqueleto mecânico externo ao nosso corpo), que fará o papel dos nossos músculos, possibilitando a execução dos movimentos solicitados pelo nosso cérebro. Isso, por si só, já seria algo fantástico. Porém, as pesquisas de Nicolelis e outros cientistas ao redor do mundo levaram a descobertas ainda mais surpreeendentes sobre como funciona nosso cérebro. Resumindo: uma macaca foi treinada para, movendo um joystick (num mundo de tablets, falar em joystick parece algo pré-histórico), acertar, com um cursor, uma bolinha na tela do computador e ganhar uma recompensa. Enquanto isso, os cientistas registravam e decodificavam os movimentos dos impulsos elétricos transmitidos entre seus neurônios. Num segundo momento, afastaram o joystick da mão da macaca, porém os seus comandos cerebrais eram transmitidos tanto biologicamente para seus braços, quanto eletronicamente para o joystick, que continuava movendo o cursor e garantindo a recompensa. A macaca logo percebeu que movendo os braços, movia o joystick, que movia o cursor e ela continuava ganhando a recompensa. No estágio final, buscou-se isolar o fato biológico dos comandos mentais, justamente o caso dos paraplégicos, onde o comando mental não equivale a um movimento físico. Assim, prenderam os braços da macaca, porém mantiveram sua conexão eletrônica com o joystick. A macaca então percebeu que, mesmo sem mexer os braços, ela comandava o joystick, que comandava o cursor e que lhe garantia a recompensa. Enquanto os cientistas comemoravam a descoberta e tentavam aprimorar o sistema, uma descoberta magnífica ocorreu: com os braços soltos, a macaca não só comandava os movimentos do cursor quanto continuava a usar seus dois braços de forma natural! Ou seja, o cérebro da macaca não substituiu o braço biológico pelo braço mecânico. Ele incorporou mais um braço ao avatar mental do seu corpo. Na verdade o meu espanto maior vem dessa idéia do avatar mental. Ou seja, nosso corpo não é um radar sensorial que diz a nossa mente o que está ao nosso redor. Nosso corpo é uma projeção mental. Isso serve tanto para incorporar um elemento que fisicamente é externo a ele (no caso do braço mecânico da macaca) quando para extenalizar sensações que só existem na nossa mente, como na experiência em que um braço de borracha visível é estimulado simultaneamente com o braço real da pessoa, que está encoberto. Quando esse braço de borracha é esfaqueado, o corpo reage (batimentos cardiácos, pressão arterial, etc) como se fosse o braço real sendo esfaqueado. Assim, a falsidade física do braço de borracha sucumbe diante da sua "realidade" mental. O corpo é o que a mente pensa. Explicadas as idéias gerais de Nicolelis, passemos a uma segunda parte, onde discutiremos os aspectos ético-filosóficos dessa questão, com o apoio de alguns exemplos da cultura pop.