segunda-feira, 23 de abril de 2012

Pondé e o Facebook - sapiências imanentes

O eterno parceiro de reflexões, Ruy Leal, me encaminhou um texto de Luiz Felipe Pondé, que comenta sobre o narcisismo humano a partir da popularização do Facebook (o texto pode ser encontrado no Google). Empolguei-me nos comentários, e a curta resposta se transformou no presente post.

As redes sociais, na minha concepção (diversamente de Pondé) significam uma diferença sim (eu não me enquadraria entre os "céticos em relação as redes sociais"). Talvez não de conteúdo, mas claramente de forma, o que, segundo Marshal Macluhan, também conta, pois "The medium is the message." Dizer que não é, reduzindo os "facebooks" da vida a mero detalhe (desqualificando qualquer consequência dele), equivale a dizer (como, de fato, dizem alguns) que a globalização nada mais é que uma mera extensão das viagens das caravelas de Cristovão Colombo (só que mais rápidas). O fato de cada invenção, cada novo avanço humano não tirar a Terra do seu eixo solar não quer dizer que ele não signifique nada. Dizer que andamos em círculos (como faz Pondé) é comparar as pinturas rupestres com as obras de Shakespeare. Até considero-me um pós-narrativo, talvez sem a acidez dos franceses (Jean Baudrilard, Jean François Lyotard, Emil Cioran), mas fazendo uma leitura algo próxima da que faz Richard Rorty, ou seja, de que não existe um horizonte pré-determinado, teologicamente ou não, para o qual se dirigiria inexoravelmente a raça humana em seu progresso (como visualiza Auguste Comte e os positivistas, de quem deriva o nosso lema "Ordem e Progresso"). O problema é que Pondé, para manter o ar blasê que lhe deu fama, da qual ele faz questão pois não tem o mínimo viés de reclusão a la Lauro Trevisan, joga qualquer transladação da criatividade humana para a orla da materialidade na lata de lixo da insignificância. O fato é que, no entanto, tanto a própria existência de alguém como Pondé e a sua atual fama são frutos desses novos tempos que ele tanto critica; Por um lado, ele deve a sua existência enquanto filósofo profissional ao fato de ser possível hoje ganhar a vida falando de imanências. Isso é produto do progresso humano (no momento em que a vida humana deixa de ser apenas sobrevivência, para tornar-se existência, para usar os termos do aforismo de Victor Hugo). Já a fama da crítica pela crítica, por sua vez, é o resultado de uma época desbussolada, onde se buscam respostas mesmo naqueles que defendem a ausência dessas.

A referência à "almas ridicularmente infantis num corpo de adulto", levada ao extremo, para a crítica dos sábios que pairam acima dessa ralé que são as pessoas comuns e a sua mundanidade excessivamente terrena. Discordo tanto da suprema superiodade de uns (como parece ser o caso de Pondé, sempre ansioso para, tal qual um bedel cósmico, passar um "pito" em quem se atreve a existir sem ter lido Ludwig Wittgenstein de trás para frente) quanto da suprema inferioridade dos outros, materializada no selo da suposta infalitidade crônica genericamente distribuído. Qual foi o censo que que contabilizou, de um lado, o 1% de guardiões ungidos da racionalidade e, do outro, os 99% de "bêbes grandes"? Ignoro os dois extremos e aposto na "geléia geral", da qual faço parte, que consegue ler Pondé e assistir as “vídeocassetadas” do Faustão. A infantilidade, ao lado da genialidade; a solidariedade, ao lado da selvageria, todas essas dicotomias basais integram a quintessência do ser humano. A diferença entre Adolf Hitler e Madre Teresa de Calcutá é de quantidade, não de qualidade. Qualitativamente, ambos eram serem humanos de carne e osso, com qualidades e defeitos. A distinção historicamente consolidada entre eles reflete as diferentes quantidades de cada um daqueles elementos na composição final das suas personalidades. Não eram anjos e demônios. Mas seres humanos em sua diversidade. Tentar totalizar qualquer um dessas características intrínsecas (cada um de nós não é sempre diligente, apolíneo ou ordeiro; podemos igualmente ser, em circunstâncias diferentes, relapsos, dionisíacos e caóticos) é fazer uma leitura apressada da fatalidade do “homem unidimensional” de Herbert Marcuse. Apesar de igualmente colérico, como parece ser a sina dos franceses, desalojados, à contragosto, da posição de luminárias da civilização ocidental, Pascal Bruckner faz uma leitura interessante dessa tese dos “bebês grandes” em seu livro “A Tentação da Inocência.” Porém, escrito na década de 1990, o livro parece refletir seu “zeitgeist”. Aplicar tal tese com ares de verdade revelada, com jovens “ocupando” Wall Street, bem como as praças da Espanha, Grécia, Chile, Norte da África e Oriente Médio (usando destacadamente as tais “redes sociais” em relação às quais Pondé é tão cético em relação às suas conseqüências) me parece, no mínimo, passível de reavaliação. Creio que Ponde comete o mesmo erro ao transpor, “ipse literis”, um narcisismo que marcou a juventude dos anos 1980 nos EUA (uma vez que essa é a premissa de um estudo citado por ele no artigo) para tentar entender o fenômeno do hedonismo via Facebook, sendo este apenas um instrumento para externalizar aquele. Concordo com Ponde sobre a natureza instrumental do Facebook. Porém discordo tanto do conteúdo que move tal ferramenta (seria o narcisismo dos jovens americanos da geração Yuppie o mesmo dos Indignados espanhóis dos dias de hoje?) quanto da irrelevância dos seus movimentos em si. Como diz Antônio Machado, “Caminhante, o caminho se faz ao caminhar.” Nesse sentido, nenhum passo, por menor que seja, é desprovido de significado. Seja ele, “a giant leap for mankind” ou um simples “Facebook”.