Sempre espero muito dos artigos quinzenais do professor Paulo Ormindo no jornal “A Tarde”. Espero porque o considero um homem de olhar crítico, porém, no mais das vezes, propositivo (a critica per si é um habito que execro). São emblemáticas dessa crítica proativa duas polêmicas públicas nas quais entrou: Ponte Salvador-Itaparica, cuja alternativa seria a perimetral costeira; e Linha 2 do Metrô, cuja alternativa (está já excluída), seria a passagem em trincheira. Gosto, portanto, de 95% dos seus artigos que, espero, sejam logo convertidos em livro.
No artigo de hoje (25/10/2015), essa expectativa foi compensada pela sua lembrança, ainda na infância, dos 400 anos de Salvador, em 1949. Ele comparava a pletora de realizações àquela época (década de 1950) com a nossa situação contemporânea, que se tem oportunidades que o próprio reconhece (comunicação em rede, urbanidade solidária), tem também desafios e incertezas enormes que o próprio igualmente enumera (mudanças climáticas, crise de representatividade).
Porém, uma coisa me chamou a atenção e me instigou a escrever essas poucas linhas: a concentração de figuras ilustres dessa época, verdadeiros artífices do seu tempo e que nos deixaram um enorme legado, se não materialmente traduzido, perfeitamente eternizado no quase consenso quanto ao fato da década de 1950 ter sido a idade de ouro da Bahia e da Salvador do século XX. Ele enumera nomes por mim conhecidos, como os artistas plásticos Mário Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto e Carybé; os políticos Octávio Manguabeira e Nestor Duarte; e pensadores práticos como Thales de Azevedo e Diógenes Rebouças, além de outros que fiquei interessado em conhecer como Alexandrina Ramalho e Adroaldo R. Costa (sem contar o mistério dos tais “dez livros encomendados pela prefeitura em 1949 para entender os 400 anos da cidade”, que vou buscar descobrir quais são e onde estão para, o quanto antes, lê-los).
A esses nomes acrescentaria um ou outro que também compuseram com maestria essa época mágica da nossa cidade: Lina Bo Bardi, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Calazans Neto, Anton Smetak, Pierre Verger e o grande Edgard Santos, para mim, um dos maiores responsáveis pela efervescência cultural da época, trazendo para compor os quadros da Universidade Federal da Bahia nomes como Hans Joachim Koellreutter para a Escola de Música e Yanka Rudzka, para a Escola de Dança, além do pernambucano Eros Martim Gonçalves para a Escola de Teatro.
Quando construí os questionários para os atores-chaves, no âmbito do Plano Salvador 500, era fundamental entender para mim o “de onde viemos” para entender o “onde estamos” para, só então, pensar no “para onde vamos”. Para mim, entender a Salvador atual e pensar a Salvador do futuro passa necessariamente por entender essa mítica Salvador dos anos 1950, tão bem retratada na obra de Antônio Risério “Avant Garde na Bahia” (1996).
Assim, instigado por uma época que não vivi mas que me é tão cara, resolvi fazer algo que chamo, por fazê-lo sem qualquer pesquisa mais apurada sobre a biografia dos aqui citados, de “brincadeira”: quem seriam os novos artífices do futuro soteropolitano em 2015? Para isso, separei os nomes elencados por Ormindo e por mim acrescentados em categorias, tentando achar quem, nos dias atuais, poderia se enquadrar. Faço isso por deleite pessoal, sem qualquer intenção de ofender ninguém e buscando, de coração aberto, aprender com discordâncias aos nomes propostos, indicação de novos nomes que eu possa vir a conhecer, etc. Vamos lá:
O Realizador:
1950 – Octávio Mangabeira
2015 – ACM Neto
Obs: Polêmica das polêmicas. Antes que alguns me atirem à fogueira, justifico. A questão que levanto aqui não remete à figura histórica do ex-governador, mas a sua capacidade de deixar a marca na cidade, como já fizera anteriormente J. J. Seabra no início do século passado. Sei (muito de perto) das polêmicas envolvendo as obras do prefeito (Barra, Rio Vermelho, as orlas de Tubarão, São Tomé, Piatã e Itapuã), mas tento pensar qual o outro político recente teve esse impacto sobre nossa cidade? Mário Kerstez? Antônio Imbassahi? Certamente Lídice da Mata (apesar da LIP) e João Henrique Carneiro (apesar dos espaços públicos construídos às custas dos nossos rios) não figurariam nessa categoria. Aos que discordam, peço humildemente sugestões.
O pensador
1950 – Thales de Azevedo
2015 – Antônio Heliodorio
Obs: Considero que Salvador está razoavelmente bem servida de pensadores que se debruçam sobre Salvador, como Ana Fernandes, Ângela Gordilho, Inaiá Carvalho, Anete Brito Leal, Luís Antônio de Souza, Clímaco Dias, Débora Nunes, Luiz Roberto Moares, Juan Pedro Moreno, Ordep Serra e Ângelo Serpa, entre tantos outros. Porém, o professor Heliodorio exerce para muitos dos seus admiradores (eu incluso) um fascínio especial pela sua maneira de pensar muito prática, mas sem abdicar de uma visão que enxerga para além do ato em si da construção da cidade, alcançando o plexo de forças que conduz tal construção. Essa, que era uma impressão pessoal das inúmeras palestras que ouvi do professor Heliodório, se consolidou após a lida da 2ª. Edição do seu Livro “Formas Urbanas” (2015).
O Reitor
1950 – Edgard Santos
2015 – João Carlos Salles
Obs: Quando vi duas das chapas concorrentes à reitoria da UFBA composta por figuras que eu já conhecia o quilate acadêmico (João Carlos Sales e Paulo Miguez, de um lado, e Nelson Pretto e Angelo Serpa, de outro), visualizei as enormes potencialidades dessa nova UFBA. Quando João Carlos ganhou, a minha primeira impressão é que poderíamos reeditar os anos de ouro do reitor Edgard Santos, pois cacife para isso João Carlos tem (especialista em Ludwig Wittgenstein, ex-diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e coordenador dos Encontros de São Lázaro, dos quais era fã e onde pude ouvir nomes como Francisco de Oliveira, Marco Aurélio Nogueira e Istvan Meszaròs). Infelizmente, a crise pela qual passa o país agravou a já existente crise da UFBA e está praticamente imobilizando as enormes possibilidades que João Carlos teria a frente a universidade. É uma pena.
O arquiteto
1950 – Diógenes Rebouças
2015 - ?
Obs: Não estamos mais diante do “latifúndio profissional”, como se referiu Bina Fonyat ao domínio de Diógenes Rebouças sobre a arquitetura de Salvador na década de 1950. Hoje temos vários arquitetos deixando sua marca na cidade: Lourenço Prado Valladares (Barra), Joaquim Gonçalves (Itapuã, Piatã e Jardim de Alah), Sidney Quintela (Rio Vermelho), Floriano Freazza (Mercado de Itapuã). Talvez em termos de realizações, nomes como Antônio Caramelo e Francisco Peixoto devessem ser cogitados, mas penso que Diógenes representava mais esse olhar público sobre a arquitetura (inobstante tenha construído seu legado também sobre projetos privados). Fiquei realmente na dúvida quanto a quem seria o grande arquiteto atual da nossa cidade. Sugestões?
O Educador
1950 – Anísio Teixeira
2015 - ?
Obs: Essa foi a constatação que mais me preocupou. Desde que me entendo por gente, sempre ouvi (e acredito, apesar de tudo), que não há solução fora da educação. Seja a educação intelectual, para criar grandes nomes como os citados acima, seja a educação cotidiana, para combater o que um dos meus mestres, o arquiteto Jorge Moura, tão bem chamou de “relação selvagem das pessoas para com a cidade”. Mas enquanto Anísio Teixeira provocou uma verdadeira revolução educacional com a Escola-Parque, não consegui chegar a um consenso sobre a quem cabe esse papel hoje na intelectualidade soteropolitana. Pensei no antropólogo Ordep Serra, com sua poética da cidadania. Pensei em Mãe Stella, com seu conhecimento arqueo-contemporâeo. Pensei até (por mais blasfêmico que isso possa parecer) no atual secretário de educação Guilherme Bellintani, que, apesar de não ser um especialista em educação, tem buscado, com sua já notória criatividade, trazer algo de diferente para a gestão da educação na cidade. Mas realmente nenhum desses três nomes me parece ter a dimensão que teve Anísio Teixeira. Essa é a lacuna mais preocupante. Espero que alguém possa dar uma sugestão para preenchê-la.
O Político
1950 – Nestor Duarte
2015 – Sem comentários.
Obs: No campo da política atual, acho que todos somos como Diógenes que, empunhando uma lanterna, procurava em vão um “homem honesto” na Atenas do século III a.C. Não visualizo o grande tribuno, o estadista, o condutor de interesse maiores entre nossa fauna partidária. Edvaldo Brito? Waldir Pires? Hilton Coelho? Realmente não vejo.
O quadro atual, portanto, tem algumas convicções, algumas incertezas e algumas ausências, quando comparado aos anos 1950. Porém, “é o que temos para hoje” e é nessa realidade que precisamos trabalhar para melhorar nossa cidade e nossa sociedade, se não para uma nova idade de ouro, pelo menos para uma Salvador 500 da qual possamos nos orgulhar.
domingo, 25 de outubro de 2015
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