segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Porque os psicólogos são os "gurus" do momento.

Depois de uma conversa com a amiga Regina Célia, figura cultíssima, que já leu duas vezes todo que eu pretendo um dia ainda ler, tive idéias para três posts diferentes: um sobre a importância atual dos psicólogos, e de como as suas opiniões parecem estar sendo requisitadas ultimamente; uma sobre a dificuldade de alguma obra que defina o nosso tempo, ou algum autor ou escola de pensamento que realmente consiga captar o nosso "zeitgeist", como diriam os alemãos, o espírito da nossa época; e, por fim, um post crítico acerca de três vozes que para mim (com todo respeito aos que gostam) significam a celebritização da filosofia de bula de remédio, seja oferecendo o caminho mais curto para uma visão do inferno (Malu Fontes), seja, pelo contrário, oferecendo um bilhete só de ida para a libertinagem sem eira nem beira (Roberto Albergaria), ou, por fim, sempre nos brindando com o melhor da mais fina filosofia de porta de banheiro de escola secundária, o comandante da nave louca (Pedro Bial). Como imagino que 99,9% da pessoas adoram um barraco, vou deixar para falar mal dos três arautos da filosofia midiática e raquítica por último. Por enquanto, vou dar umas canetadas aqui sobre aquelas duas questões iniciais, começando pelos psicólogos e sua importância contemporânea para além da compreensão do indivíduo. Ou, em outras palavras, porque Freud pode ser mais importânte do que Marx para entender a sociedade em que vivemos.

Tenho notado que algumas das figuras mais ouvidas ultimamente quando se procura entender a nossa sociedade atual não são sociólogos, economistas, políticos ou mesmo filósofos (ainda que alguns aceitem também essa denominação, mesmo tendo formação original diversa). Tratam-se dos psicólogos. Quando penso em psicologos, a primeira coisa que me vem à cabeça é o divã. Não o Divã, filme estrelado por Lilia Cabral (ótimo, por sinal). Nem Odivan, ex-zagueiro do Vasco (cujo nome, reza a lenda, foi inspirado num sucesso de Roberto Carlos - o cantor, não o lateral - chamado, pasmem, "O Divã"). Mas não é verdade? O que tem mais cara de psicólogo do que aquele móvel estranho, mistura de sofá com cama, recentemente filmado com um usuário ilustre (ainda que não muito nobre), o Arruda, recebendo uma grana para comprar uns panetones, que sairam bem indigestos para ele (O panetonegate daria um ótimo post, mas agora já é notícia velha). Bom, voltando ao divã, o que há de mais solitário, de mais íntimo, do que alguém deitado num divã, contando seus segredos mais secretos, seus medos mais intensos, para alguém que, na maioria das vezes, apenas ouve. Soltando, é claro, uns "Hum, Hum...", para justificar a cobrança por hora. Na verdade, essa cobrança se justifica mesmo sem essas onomatopéias monossilábicas. São em sua grande maioria, profissionais extremamente dedicados, que ajudam muito pessoas a superarem problemas que elas imaginam intransponíveis. Mas ainda assim, essa ajuda normamente é individual. Trata-se de um diálogo (muitas vezes do paciente consigo mesmo) travado à exaustão. Exige uma confiança mútua enorme, construída de forma consistente. Talvez beire o exagero (ou apenas manifeste a exatidão da tese freudiana), mas acredito que, sob certos aspectos, podemos comparar a análise ao sexo. Psicólogos(as) e prostitutas(os) podem ter mais em comum do que a letra inicial. Em ambos os casos pagamos alguém para o exercício da penetração: física, no caso do sexo prostituído; psiquica, no caso da análise psicológica. A completa submissão de um poderoso homem de negócios sob as botas salto Luiz XV de uma dominatrix envelopada num latex negro brilhante não poderia ser comparada à reconhecimento, aos prantos, do medo do fracasso corporativo por este mesmo chefão, só que agora sob a angulação do cachimbo de um velho discispulo de Lacan ou Jung? Sem contar que nos dois casos, a depender da intensidade da atividade, ambos os casos deixam os clientes/pacientes exaustos.

Então, como algo tão pessoal, tão íntimo pode servir de ponte para um profissional avaliar a sociedade como um todo? Bom, pelo menos me lembro, lá das minhas aulas com a professora Palácios, no meu primeiro semestre de urbanismo, de um caso onde se provou que o comportamento mais individual pode ter uma relação direta com a sociedade: O Suicídio, de Emile Durkheim. Justamente para justificar ainda mais as bases da nascente sociologia, Durkheim utilizou-se do ato que parece ser o mais individuial possível, tirar a própria vida, para provar como o nosso comportamento individual reflete as agruras da sociedade. Ao que parece, estamos fazendo, no início do século XXI, o caminho inverso proposto no final do século XIX: ao invés de procurar reconhecer no comportamento individual a influência da sociedade, uma nova safra de psico-filósofos procura desvelar as patologias sociais a partir da analogia com os quadros típicos das patologias mentais. Nesta linha de raciocínio, podemos propor a seguinte imagem: a sociedade nada mais é que um cérebro coletivo, cujos neurônios são os cérebros individuais. Porque a pertubação das nossas micro-sinapses não pertubaria as macro-sinapses que construem o mundo aqui fora?

Assim, podemos falar agora em neurose social ou amnesia coletiva. Podemos falar em depressão econômica ou esquizofrenia política (muito comum em épocas eleitorais, na busca de aliados a qualquer preço). Podemos, enfim, transportar, por analogia, as inquietações que abalam nossa alma para descrever o estado crítico da sociedade como um todo. Alguns nomes destacam-se nessa tradução, que aqui chamo de psico-filosófica: os brazucas Maria Rita Kelh e Contardo Caligaris e os gringos Cornelius Castoriadis e Zlavoj Zizek. Não pretendo aqui fazer uma resenha da produção intelectual dos citados, mas é facil encontrar artigos, livros e entrevistas dessas figuras dando opiniões que vão muito além da descrição das fases oral, anal, fálica, latente e genital. Só posso dizer de imediato que admiro a todos. Maria Rita Kehl deu uma das melhores entrevistas já publicadas na Revista Muito, suplemento dominical do A Tarde. Contardo Caligaris tem uma coluna impedível na Folha de São Paulo. Castoriadis é um sábio à moda antiga, que transita com facilidade por várias searas intelecutais, tendo pelo menos uma obra obrigatória: A Instituição Imaginária da Sociedade. Além disso, é a principal referência de Marcelo Lopes de Souza, geógrafo voltado para as questões urbanas e que é uma das minhas principais referências. Por fim, Zizek é um dos críticos sociais mais "hypados" do momento, tendo lançado recentemente mais um livro de críticas ácidas à sociedade atual: Visão em Paralaxe. Uma das principais características de suas obras é o uso de símbolos da dita cultura pop descartável para mapear as brechas compreensivas do mundo (mostra disso é a descrição "papo-cabeça" da cena do consultório do dentista da animação Procurando Nemo). Apesar de ser acusado de excessivamente midiático (tendo sido confrontado por Maria Rita Kehl num momento clássico de um Roda Viva da TV Cultura), acredito que Zizek trouxe um tempero mais que bem vindo para animar a discussão sobre a contemporaneidade.

Assim, ao que tudo indica, a psicologia está na crista da onda em matéria de decodificar esse mundo "desbussolado" (expressão tipicamente psicológica, não acha?) em que vivemos. Parece que finalmente estamos em vias de confirmar o famoso bordão popular: Só Freud Explica...

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