sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Como me Tornei o Professor que Sou

Em homenagem a este Dia do Professor (15/10), segue trecho de um texto do mestrado, feito à pedido da Prof.º Tânia Fisher, sobre os professores que mais nos marcaram durante a nossa formação:
"Dos anos tenros, onde se inocula conhecimento mais pelo carinho do afago do que pelo volume da voz, guardo lembranças da Tia Neide. Não sei se conhecedora dos vastos ensinamentos de mestres como Jean Piaget, Anísio Teixeira ou Paulo Freire, esta pequena notável de 1,60m, que na minha meninice parecia gigantesca, como que sabia instintivamente que as crianças são, como repetem os especialistas, verdadeiras “esponjas” do mundo ao seu redor. Assim, sabendo que o conhecimento posto à disposição será absorvido, restava tornar essa absorção natural o mais deleitosa possível, com cantigas e carinhos dignos de “mães de meio período.”
O desenrolar das lembranças vai me encontrar já nos anos 1990. Lembro-me bem do professor de História Chico e da professora de português Vitória Régia. O primeiro, no que depois descobri ser a essencial dos professores de história, despertava como poucos o nosso senso crítico então florescente. Não se limitava a descrever o passado como algo a ser decorado. Pelo contrário, mostrava como o nosso presente não era algo posto, como que ali sempre existente, mas fruto de outros presentes pretéritos, cujas conseqüências nos colocavam naquele exato momento, sentado naquelas exatas carteiras, com seus braços de fórmica branca, pergaminhos modernos a guardar, esculpidos com a ponta de ferro dos compassos, da fórmula de báscara a declarações apócrifas.
Das aulas da professora Vitória Régia, não guardo sequer um nome dos autores característicos do Simbolismo (Seria o Cruz e Souza?), mas tenho cravado na retina e nos tímpanos as suas performances viscerais quando, a pedido dos alunos, declamava poemas com toda a força dos pulmões, ao tempo em que lhe corriam a face lágrimas numa profusão tal que imaginei ser incapaz a qualquer outro ser humano (Descobri-me errado quando, sozinho em uma catedral humilde, contemplei todo o vigor do meu pai-herói reduzido a um corpo inerte contido num claustro de madeira em cujo carvalho falso escorria a verdade das minhas próprias lágrimas). Da professora Vitória Régia guardo a entrega ao limite de um professor em sala de aula, mostrando-nos a intensidade da vida, do amor mais sublime à angústia mais paralisante. Talvez em função de um amor nem tão sublime, devo a ela também o meu primeiro contato com a morte. Amante de um homem casado, a sua presença na escola foi suficiente para uma esposa ensandecida atirar, acidentalmente, na querida Lina, secretária da escola e muito estimada entre os alunos. A sua morte me faz agora refletir, tendo por foco a atividade de professor, o quanto nossa vida pessoal vai para dentro da sala de aula conosco. Na época, minha única lição foi como os sentimentos podem se transformar: o desejo da professora na saudade da secretária; o amor da esposa no ódio da assassina; a admiração do aluno no desprezo da testemunha.
Na UNEB, as maiores lembranças são das professoras Maria Palácios, Zalvira Vilasboas, Débora Nunes e Miriam Velasco e dos professores Vítor Lopes, Milton Júlio, Armando Branco e Clímaco Dias. Se tivesse que resumir as características que busco absorver desses professores, aquilo que os tornam meus mestres referenciais, sob pena de esconder suas outras qualidades, diria: da professora Palácios, a erudição; da professora Zalvira, a calma; da professora Débora, a responsabilidade social; da professora Míriam, o senso crítico; do professor Vitor, o rigor científico; do professor Milton, o profissionalismo; do professor Armando, o estímulo à produção do aluno; e do professor Clímaco, a visão holística.
Na Faculdade de Direito, não faltam grandes conhecedores das questões jurídicas. Porém, como já abreviei anteriormente, o ser professor é mais do que o ensinar princípios e liturgias. É atingir, além das mentes, os corações dos alunos. É neste quesito, dois mestres são imbatíveis: os professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona.
O professor Rodolfo Pamplona é uma das nossas maiores autoridades em Direito do Trabalho. Matéria, para mim, totalmente alienígena dentro dos meus interesses no campo do Direito (Filosofia e Sociologia Jurídicas, Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional sempre me atraíram mais). No entanto, com a capacidade que só os grandes professores têm, a aula do professor Pamplona tornava assuntos como competência trabalhista e ritos processuais alvos dos meus mais esforçados comentários. Olhando nos olhos de cada aluno e dando-lhe o máximo da sua atenção quando lhe esclarecia uma questão, o professor Pamplona mantinha um permanente sorriso. Esse sorriso inefável comprovava diariamente o que ela havia nos dito no primeiro dia de aula: estava ali porque amava ser professor, e não por dinheiro ou prestígio, ambos já conquistados à frente da 1ª Vara Trabalhista da Bahia.
Quanto ao professor Pablo, torna-se ainda mais difícil resumir as suas qualidades cujo mimetismo é nossa maior ambição. Brilhante orador e profundo conhecedor do Direito Civil, suas aulas são lendárias, atraindo ouvintes como nenhuma outra na faculdade, a ponto de acumularem-se carteiras avulsas além daquelas do vasto auditório que constitui cada uma das salas laterais da Faculdade de Direito. Showman assumido, circula por toda a sala, microfone em punho. Quando em algum instante para de súbito, é apenas para dar ênfase dramática a alguma informação que acha especialmente importante ser lembrada por sua turma, misto de fãs e acólitos. Profundo estimulador do pensamento de cada aluno, busca a todo instante incentivar a fala, o comentário, a pergunta. Foi dele que ouvi pela primeira vez a frase por mim muitas vezes repetidas para meus próprios alunos: “Não existe pergunta boba. Existe bobo que não pergunta.” Assim ele desmistificava o temor reverencial imposto por professores que não queriam ser incomodados pelas tais “perguntas bobas.”
Esse estímulo à participação, numa turma que facilmente tinha 70, 80 alunos, implicava em vencer a barreira de ser o foco das atenções, coisa que alguns naturalmente buscavam e outros naturalmente temiam. E não bastava perguntar ou comentar. Era necessário fazer uma pergunta inteligente, um comentário relevante. Sabíamos que tínhamos atingido esse objetivo quando o professor Pablo nos olhava de volta e perguntava: “Qual o seu nome?” Lembro-me bem que a primeira vez que isso aconteceu comigo, foi como ter ganho um prêmio Nobel. Com a resposta, seguia-se um elogio à pergunta/comentário e a aula seguia a partir daquele ponto, como se você tivesse feito a maior descoberta da história moderna do Direito. Até a próxima pergunta. E assim por diante. Essa sensação prazerosa só tinha um problema: era extremamente viciante. Assim, passei a fazer algo que hoje, no mestrado, parece muito natural, mas que para mim começou ali, nas aulas do professor Pablo e na busca de mais um “Ótima pergunta!”: estudar para a aula seguinte.
É com legados como esse, do professor Pablo e de tantos outros mestres que tive, que busco construir o meu próprio caminho, na esperança de deixar nos meus alunos a marca em mim deixada por eles."

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Poesis: o sal da terra

A infinitude do humano se revela na arte, onde o escutado vai além do som, o escrito, além das letras e o visto, além das cores. Onde criador e criatura se desconectam, e o significado torna-se mero ponto de vista. Seguem-se algumas incursões nesse vazio transbordante de sentido:

O Medo é o Grito o Mundo

O medo é o grito do mundo
A vida é um veio que arde
A sombra é o milagre do sol
O destino é um acaso desfeito

O nada é ausência de tudo
O tudo só é possível aos poucos
A parte é um todo em si mesmo
O todo é um eterno juntar

O amor é o esquecimento da morte
O prazer é a certeza da vida
O corpo é um equívoco
A mente é a resposta

O sonho é a lembrança da alma
O suor é a lágrima da carne
A lágrima é uma água que queima
O olho é o mundo do avesso

O vazio nos olha de dentro
A guerra é a doma do homem
O agora é o início de tudo
O Tudo nunca tem fim

Morte

De tudo, medo
De todo mundo
O medo de tudo
Um mundo de medo

Saraiva de balas
De balas desvairadas
Varias maneiras
De cair na mesma vala

Corpos que morrem
Mortes que matam
Famílias inteiras
Vidas em pedaços

Muros florescem
Nas portas das casas
As casas se fecham
As covas esperam


Vida

Vide o verso, leia a bula
Queime o mapa, quebre a bússola
Ré na moto, descontrole!
Fé nos atos, acelere!

E corra e morra.
E viva a lascívia
De um mundo sem dor
Analgésico-purgante

Encontre sentido
Se sinta perdido
Se entregue em segredo
Espalhe chaves dos seus trincos

Desminta o que é verdade
Tire a venda de nós que te cegam
Ame um Deus de brinquedo
Se apaixone por quem ainda sequer nasceu

Futuro

O futuro é um furo no escuro
Um fardo do qual estamos fartos
Um salto que quebre os metacarpos
Um lapso na memória do tempo

O futuro é o ontem revisto
Um velho conhecido amnésico
Um barco a vela sem remos
Sem proa, sem popa, sem barco

O futuro é um gênero
Do qual somos todos espécies
Diversos, dispersos, ao avesso
Um sobresalto, um deja vu em retrocesso

O futuro é uma mostra de arte
Uma amostra da parte que nos falta
Uma alma em busca de um corpo
Uma falsa mensagem do nada

Amor

Não fale o óbvio
Te amo
Negue-se por completo
Amo somente você

Não abra os olhos para ver.
Feche-os para sentir
Fale tudo que ainda não foi dito
No eterno instante de um beijo

Mande flores e até cartões
Mande bombons e outras formas de afago
Mande recados, infinitos dizeres
Mande o vazio da ausência em um papel colorido

E se ainda há tarefas a cumprir
Coloque-as ao lado das outras coisas inadiáveis
Apague as cores do mundo
E venha brilhar só para mim.

Prazer

O chão em brasa, tudo queima
A boca seca, os olhos viram
As mãos procuram, a carne acerta
A mente voa, o corpo pede

E dois são um e nada mais
E o mundo vazio aguarda lá fora
Todos os calendários perdem o sentido
Tudo se dissolve em um só suor

A pele estática, de tato apurado
Recobre os músculos a pleno vapor
Mais fundo, um coração bate frenético
Colapso falso, por pouco ainda contido

Mas já não há forças a recorrer
Somente diques a transbordar
E somos lançados para fora de nós
Para queimarmos juntos no ventre do sol

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Um Reencontro com o Teatro

No último domingo (27/06/10), tive o prazer de assistir mais uma peça de teatro. A peça chamava-se “Os Enamorados” e foi apresentada no Teatro Vila Velha. Alguns elementos fazem esse reencontro com o teatro interessante o suficiente para valer um post. Primeiro, os motivos que me levaram à peça. Podia citar vários como a sugestão de Juli (minha noiva) para um programa diferente ou mesmo a economia do programa, considerando que o ingresso custava R$ 10,00 enquanto o cinema, no final de semana, pode chegar a R$ 16,00!! Porém, devo admitir que, além desses, é claro, um outro elemento foi decisivo para proporcionar esse reencontro, que, aliais, foi muito mais recompensador do que eu poderia imaginar, como poderemos ver ao final. O fato derradeiro que me levou a ir (ou melhor, voltar) ao teatro foi uma entrevista dada no programa de Rádio “Roda Baiana”, um dos meus preferidos na Rádio Metrópole (na verdade, o único fora os jornais. Mesmo o “Sintonia”, que vem na seqüência e às vezes ouço, tende a não me interessar muito, seja pela temática – espiritismo – seja pelo apresentador, José Medrado, que é muito histriônico para o meu gosto). O “Roda Baiana”, apresentado por André Simões, Jonga Cunha e Fernando Guerreiro, é um programa de variedades, um bate-papo bem informal, com comentários dos mais diversos sobre assuntos idem.
Pois bem, ouvindo certa feita o programa, eles estavam entrevistando atores da peça “os Enamorados” que estava em cartaz e que eu já tinha, para falar a verdade, até me interessado em ir, mas sem maiores entusiasmos. Foi quando eles apresentaram os atores. A atriz principal era Luiza Prosérpio. E ai temos que fazer uma pausa dramática! Luiza foi o meu primeiro e único caso grave de “paixonite platônica aguda”. Só para explicar: paixonite é uma inflação da paixão e, portanto, patológica. Não decorre daí nada mais sério, trata-se apenas de uma febre rápida, porém intensa. Platônica, obviamente, reforça a certeza de que aquilo não daria em nada. E aguda, porque durante uma semana não pensei em outra coisa, senão mergulhar nessa obsessão inofensiva. Pois bem. Luiza Prosérpio me atingiu como um caminhão quando eu fui casualmente assistir a uma peça de um ex-colega de urbanismo que, depois de formado, descobriu que queria mesmo era ser ator. Daniel Sobreira foi a primeira pessoa que lembro de ter conhecido ainda na matricula do curso de urbanismo, há mais de uma década, em 1996. Desde então, nutri por ele a maior admiração, seja pela sua inteligência, pelo seu caráter, pela sua simpatia. Uma das melhores pessoas que conheci e que, infelizmente, há muito tempo não vejo. De qualquer modo, o Daniel mandou para seus conhecidos um convite desta peça, cujo nome não me lembro, mas que era a encenação teatral do drama narrado no filme “Closer”, com Julia Roberts, Clive Owen, Jude Law e Natalie Portman, sobre as idas e vindas de quatro pessoas que se namoravam entre si (heterosexualmente falando). Eu já tinha assistido, ou melhor, tentado assistir o filme, que estava muito cotado na época, mas confesso que não me caiu bem. Da metade para lá, a coisa perdeu o ritmo,etc. Assim, não tinha maiores expectativas quanto à peça, mas fui para dar uma força ao amigo Daniel. Na peça, ele fazia o personagem interpretado por Jude Law no filme. E sua primeira parceira em cena era justamente a Luiza Prosérpio, que interpretava a personagem vivida por Natalie Portman na película. Pois bem, do momento em que entrou em cena até os aplausos finais, com destaque para uma cena de strip-tease no meio, não consegui tirar essa atriz da cabeça. Estava completamente hipnotizado. E é claro que não era uma questão física, como se você visse aquela tremenda gata do outro lado do salão. Era algo diretamente relacionado com a atmosfera do teatro, com a força dramática daquela personagem, que era de fato extremamente sedutora na peça. Mesmo assim, devo dizer que, ainda que a personagem tivesse um grande apelo e que a peça tenha, em algumas passagens, assumido uma conotação mais sexual, afinal estávamos falando do relacionamento amoroso entre pessoas adultas, fiquei muito impressionado com a força que a atriz conseguia colocar nas palavras, nos gestos, nos olhares. Resumindo, fiquei embasbacado. Tanto é que, alguns dias depois, sabendo que o colega Lázaro iria assistir a peça também pelo convite do Daniel, fiz questão de me auto-convidar e foi novamente assistir. Além disso, e é esta passagem que caracteriza a paixonite platônica aguda, passei os dias posteriores procurando na internet (esse paraíso dos obsessivos-compulsívos) tudo que podia encontrar sobre essa minha musa instantânea.
Pois bem, como toda paixonite, essa também passou e minha vida seguiu em frente, sem maiores transtornos. Quando, de repente, ao ouvir o “Roda Baiana”, lá está ela, como que saindo das profundezas adormecidas das minhas memórias, Luiza Prosérpio, convidando os ouvintes para irem vê-la, acompanhada da sua trupe, no espetáculo “Os Enamorados.” Bom, era o motivo que faltava para que eu voltasse ao teatro. Encerrando, portanto, o porquê da ida, passo a narrar agora o que foi essa minha experiência e, principalmente, porque a ela me refiro como um reencontro e,acrescento, agradabilíssimo. Chegamos por volta das 19:00 hs (a peça era as 20:00hs) no Passeio Público, próximo ao Campo Grande. Já tinha ido algumas vezes ao Passeio Público, um lugar que considero agradável, ainda que às vezes me dê uma impressão de estar sempre mal cuidado. Porém, não lembro de relacionar fortemente o lugar ao Teatro Vila Velha. Porém, como quase todos sabem (eu não sabia) o Teatro Vila Velha fica no Passeio Público e essa seria a minha chance de conhecer melhor um lugar de que tanto eu tinha ouvido falar. Fazendo um parênteses que tem a ver com essa mística do Teatro Vila Velha como sendo um celeiro de grandes artistas, um caldeirão cultural, etc, uma das passagens da entrevista de Luiza no “Roda” que me chamou a atenção foi uma troca de comentários entre Luiza e Fernando Guerreiro, que dispensa apresentações (uma das maiores figuras do cenário artístico baiano, diretor de teatro e cabeça pensante – pena que esta esteja a serviço apenas da crítica, já que o mesmo foi convidado para presidir a Fundação Gregório de Matos e dar a sua contribuição, mesmo que pequena, para resolver alguns dos problemas que tanto critica, mas, após algum suspense, não aceitou, preferindo continuar como pedra a ser vidraça) onde os mesmos falavam com intimidade de pessoas que trabalhavam no Vila Velha e meio que já se integraram ao folclore do local. O que me chamou atenção nessa fala foi a coisa da “turma”.
A “turma” é um fenômeno psico-sociológico dos mais ricos, que merecia um estudo aprofundado ou até mesmo um post só para ele. A “turma” é aquela comunidade que fala a mesma língua, freqüenta os mesmos lugares e se identificam entre si. Isso pode acontecer tanto com turmas personalistas (a turma de “fulano”, a minha turma, etc) ou turmas temáticas (a turma do baba, a turma da faculdade, etc). Aqui particularmente estamos diante de uma das turmas mais interessantes: a turma do teatro. A turma do teatro é particularmente interessante pela sua própria vivacidade, pela cabeça aberta, pela vontade de viver a vida com intensidade, pela possibilidade de viver em muitos mundos, de viver em tantas vidas. A turma do teatro é uma das que mais gostaria de conhecer. Flertei um pouco com essa cultura das turmas no tempo de faculdade, principalmente durante o tempo em que fiz política estudantil, sendo coordenador do Centro Acadêmico de Urbanismo – CADU. Na política estudantil, você está sempre se relacionando com outros cursos, o que possibilita conhecer gente de todos os tipos, dos mais quadrados (como eu) aos mais artísticos (como o velho Chico De Riará, uma das figuras mais excêntricas dos meus tempos de UNEB, sempre exibindo uma vasta cabeleira e que, há pouco, tive a enorme felicidade de reencontrar na Livraria LDM – meu oasis do meio-dia, na Piedade – agora já como Dr. Francisco, um respeitável investigador da Policia Civil, quem diria!) Nesses anos 90, convivi com algumas das melhores figuras de que me lembro: Silvinha, SilPaty, Marceleza, Franklin, Vlad, pessoas inesquecíveis. Pois bem, nesta época acabei me aproximando, ainda que lateralmente, desse mundo mais artístico (Chico era pintor, Vlad era músico, ao lado do seu irmão gêmeo, Neto, formando o "Alma Gêmea") e curti muito ver como essas pessoas tinham uma relação diferente com o mundo. Lembrei até das minhas desventuras nessa área, afinal, lembro de que escrevi pecinhas de teatro para apresentação de trabalhos escolares, a serem trabalhados durante o ano. Cheguei, inclusive, a freqüentar aulas de teatro dadas na época do ensino médio, ao lado de mais três colegas, sendo que os elogios, modéstia a parte, ficavam restritos a mim e a colega Leila, diante da timidez dos nossos dois colegas, Max e Simone, figuras queridíssimas (acho que até hoje devo uma grana a Max, que me emprestou uns caramingás para comprar um LP – isso mesmo, um LP!! – do US3, um grupo de jazz-rap, que naufragou, como quase tudo que foi moda nos anos 90, de Vanilla Ice a Fernando Collor). Bom, o fato é que lá estava eu, nesse conhecidíssimo lugar da turma do teatro: o Vila Velha. Devo confessar que fiquei um pouco decepcionado com as instalações: uma audiência em forma de escada, com cadeiras soltas e dois corredores laterais suspensos. Tirando isso, ao estar ali, eu realmente tinha a impressão de que muita coisa já tinha rolado naquele lugar, naquele palco. E que muita gente boa já tinha sentado naquela platéia também (por falar nisso, o repórter Ricardo Ishmael, da TV Bahia, estava lá neste dia, ainda que trabalhar na TV Bahia não faça de ninguém gente boa, é claro.)
No palco, a peça foi muito interessante e, principalmente, bastante diferente do que eu esperava. Imaginava um drama contemporâneo sobre a relação de um casal atormentado pelo ciúme (sabia que a peça tratava disso). Na verdade, a peça era uma comédia, bem ao estilo italiano (sabia também que o texto havia sido sugerido e traduzido do italiano pela própria Luiza Prosérpio, que o descobrira durante sua estada na Itália), com ares (e figurinos) renascentistas e vários atores em cena. Ou seja, de um drama intimista e contemporâneo de um casal, a peça foi para uma opera-bufa com oito atores em cena, para lá e para cá, em movimentos que hora pareciam um filme de Bruce Lee ora uma apresentação de Diego Hipolito. Aliás, como esta era a última apresentação, eles deviam estar realmente bem treinados, depois de algumas quedas e contusões. O uso do espaços e do ambiente cênico foi outro ponto forte, com jogo de luzes e reposicionamentos, pelos próprios atores, das peças do cenário minimalista, mistura de half-pipe com tabuleiro de damas. Destaque também, como não poderia deixar de ser, para Luiza no papel de Eugênia, uma ciumenta incurável, que deixa louco o pobre Fulgêncio, a ponto desse, literalmente, se pendurar no lustre de tanta raiva!! Diante de tudo isso, não teve jeito, a paixonite aguda me atacou de novo. Só que desta vez, mas do que Luiza ou a linda Lizete (personagem de outra atriz belíssima que estava em cena), o alvo da minha paixonite aguda é o teatro, a magia do teatro, esta experiência incrível de virar as costas para o mundo e abrir a alma para o palco. De fechar os olhos aqui e, de repente, enxergar-se lá, em outro tempo, em outro espaço, partilhando das intimidades de uma vida que, ao mesmo tempo em que não existe, por outro lado reafirma continuamente a sua existência em repetidas encenações de cada ato, de cada gesto. Essa paixonite aguda por essa profusão de sentimentos, suspensos no tempo e no espaço dentro da aura mística na qual gravita o palco, no que tem de distinto no objeto da primeira, tem de equivalente na sua conseqüência: o desejo por um próximo reencontro. Que outras peças venham!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"Eu voltei, agora para ficar..."

Nossa! De volta, direto do tunel do tempo!!! Depois de um bom tempo sem postar nada, tive novamente aquele impulso inicial, movido por quatro fatos recentes: 1) assistir a "O Solista", com Robert Downey Junior (fantástico em "Trovão Tropical", um dos meus filmes preferidos) e Jamie Fox (que tem se revelado um ator cada vez maior a cada trabalho). A relação é que, neste filme, Robert Downey Jr faz um jornalista que anda pelas ruas da cidade a procura de boas histórias para a sua coluna jornalística. Quando esbarra em alguma, anota num grande caderno e verifica se dali pode sair uma grande história (como no caso do personagem de Fox, um sem-teto que toca violino e que Downey descobre que foi aluno da famosa escola de música Jilliard, dando início à história do filme). Acabei tendo a sensação que é isso que sinto vontade de fazer no blog: andar pela minha vida esbarrando em alguns coisas para, quem sabe, dizer o que esses esbarrões me provocam.; 2) O que me leva ao segundo fato: tive essa sensação ontem, ao passar de ônibus (tenho carro, mas, ao contrário do que sempre ouvi do meu amigo/irmão Renato Prado, não fui daqueles que abandonou o velho buzu para sempre. Por incrivel que pareça, quando estou livre - sem horários a cumprir - prefiro a liberdade do ônibus do que do carro, porque ambos libertam. Sinto que o carro me liberta do tempo - se preciso chegar a um lugar tal hora, ele me liberta dessa obrigação tornando mais viável que eu chegue; ou se preciso sair a noite, ele também me dá essa liberdade. Em compensação, o ônibus me liberta do espaço: nada de procurar estacionamento, ficar pensando no risco de multa, arranhão, roubo, bater o carro.... Depois de andar de carro pela cidade e ficar suando para estacionar quando dou a sorte de encontrar aquela micro-vaga, a sensação de simplesmente descer do ônibus e sair andando, sem preocupação com mais nada, é indescritível. Nossa, mas que parênteses grande! Já tá com cara de outro post que vai render bastante em minha mão. Vamos voltar ao assunto...) na frente do ex-Clube Português. Vi um estranho monumento branco, de ferro, ainda com as placas de proteção, prestes a ser futuramente inaugurado. E começei a pensar em todos esses obeliscos, monumentos e totens que são derramados sobre a cidade: os dois monumentos do Jardim dos Namorados; a dança de roda do Costa Azul; os capoeiristas do Rio Vermelho; os Brasis do Centro de Convenções. Alguns até com histórias engraçadas, como a da estátua de Confúcio no Parque da Cidade (que lembra "Confusão" para a primeira-dama do Município); outras com histórias que mereciam ser recontadas, como a relocação das gordinhas de Eliana Kertesz do Farol da Barra para Ondina, sendo que havia uma motivação para elas estarem localizadas no Farol. Pois bem. Me deu essa vontade de perguntar para quem quiser ouvir: quem escolhe essas peças? Esses artistas? Esses lugares? A comunidade local é ouvida? Quanto de grana existe envolvida nisso? Tem uma seleção pública para esse uso do espaço público? Quem zela pela estética urbana, pela adequação dessas peças ao seu entorno imediato? Todas essas dúvidas teriam passado pela cabeça de Steve Lopez (o personagem de Downey Jr) e certamente daí poderia nascer uma bela reportagem (é claro que, na ausência de Steve Lopez, compartilhei essa inquietude com a minha jornalista n.º 1: Juli Arize e quem sabe ela não dá prosseguimento nesse meu ponta-pé inicial.) O fato é que não sou jornalista e criei o blog justamente para dar vazão a essa vontade de falar de coisas que às vezes tenho a impressão que só eu vejo (e outras que todo mundo vê, mas que eu quero falar assim mesmo!); 3) Outra coisa neste mesmo sentido do "fazer jornalismo intuitivamente" (e aqui percebo - ainda que não concorde - com a visão do Ministro Gilmar Mendes de que para jornalismo não se deve exigir diploma. O que talvez o ministro não perceba do alto da sua arrogância apolínea (ainda que tenha mais cara de Nosferatu do que de Apolo) é que uma coisa é comentar ou "colunar" (se é que cabe o neologismo), ou seja, dar uma opinião tanto melhor abalizada quanto julguem os leitores. Outra coisa é fazer uma reportagem jornalística, que tem uma série de procedimentos técnicos e éticos que garantem a imparcialidade e a exposição da informação de modo a dar um quadro completo do fato noticiado (é claro que aqui me dirijo apenas aos jornalistas verdadeiramente éticos). Assim, se desconfio da forma como se procedem as escolhas para a colocação de monumentos na cidade, posso opinar com maior ou menor conhecimento de causa, sem precisar fazer uma investigação ou ouvir todos os lados da história (coisa que um bom jornalista sempre faz, com técnica e competência própria da profissão e não-imediata para um leigo). E sequer posso ser acusado de leviano ou coisa que o valha, porque faria um comentário a partir de perguntas de algo que não é de conhecimento notório e a partir de conjecturas que caberia ao leitor considerar plausíveis ou não. Certamente não acusaria ninguém diretamente de estar embolsando (ou encuecando ou ainda emeiando) dinheiro. Para isso temos os jornalistas de carteirinha (e diplominha). Voltando ao "fazer jornalismo intuitivamente", outra coisa que me chamou atenção para a serventia do blog foi uma matéria publicada na Revista Muito do dia 18/04/10 sobre a profissão de prático. Lendo a matéria, tive aquela sensação de "deixei o bonde passar", pois a algum tempo atrás, num bate-papo de fim de expediante, alguém comentou dessa figura: um flanelinha de navio que ganha uma fortuna por mês. Aquela informação tem as duas qualidades essenciais de uma boa matéria: é inusitado e lida com algo que atinge a massa (o grana, não o navio). Lembro que pensei na hora: "Puxa, isso dá uma história daquelas. Manchete: Flanelinha de Navio: o emprego dos sonhos". Deixei para lá. A Muito do último domingo me deu esse tapa na cara e disse: "Acorda! Quando quiser falar de alguma coisa, vê se fala, pô!". Bom, tá aqui o blog para isso (coisa que fiz agora sobre os monumentos. Se aparecer uma matéria em algum jornal, pelo menos vou ter o prazer de dizer: "cantei a bola antes."); 4) Por fim, o último motivo para voltar ao blog foi que acabei de entrar em outra "roubada" tão prazeirosa quanto o Blog: agora estou no Twitter! @dantasfagner! Ou seja, além do blog, vou dar umas twitadas de vez em quando também. Já tinha uma curiosidade sobre o twitter, mas ficava naquela: "Não é nada de mais. É só gente sem ter o que fazer que fica colocando que acabou de sair do exame de próstata e descobriu que está louco por uma segunda opinião." Aliais, o mesmo pensamento que tinha do Blog. E com o twitter aconteceu a mesma mudança, pelo mesmo motivo. Da mesma forma que comecei a ver Blogs de gente como Samuel Celestino, Marcelo Taz, Theotonio do Santos, etc, comecei a ver Twiters de José Serra, Wiliam Bonner, Mario Kerstesz, que acredito, teria coisa melhor a fazer se não tivessem algo a dizer no twitter. Mas a motivação final veio mesmo por causa do Serra. Ainda não tenho uma definição de voto para presidente, mas devo admitir que é impressionante ver a desenvoltura do Serra nessa ferramenta. E ele realmente pegou o espírito da coisa: o twitter, diferente de um blog, que já é diferente de um site, está na menor escala de "sisudice". Ou seja, você até pode colocar alguma notícia política bombástica lá, mas nada impede que você faça uma aproximação direta com o eleitor (como um twet onde ele responde o peso e a altura para uma curiosa. Quer coisa mais trivial?!) ou dê uma opinião imediata sobre alguma notícia. Devo admitir que fiquei impressionado. Assim, me tornei Twiteiro primeiro para seguir o Serra. Mas depois vi que poderia ser uma fonte interessante de informações. Então, é claro que passei a seguir a Dilma também e o Mario Kertesz, no sentido de ter algumas informações em primeira mão, de vezs em quando. Até o Obama eu estou seguindo! Bom, como a maioria dos meus posts, a introdução se transformou no próprio post e nem pude retomar os posts prometidos no post anterior, sobre os psicólogos. Como já são três da manhã e tenho aula às nove, vou dar uma paradinha. Mas espero que ela seja bem mais curta do que a minha última parada. E, para fazer uma última homenagem ao Rei, pela primeira vez só como tendem a ser um dia todos os mortais: "Eu voltei, agora para ficar. Porque aqui, aqui é o meu lugar. Eu voltei para as coisas que eu deixei. Eu voltei..."

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Porque os psicólogos são os "gurus" do momento.

Depois de uma conversa com a amiga Regina Célia, figura cultíssima, que já leu duas vezes todo que eu pretendo um dia ainda ler, tive idéias para três posts diferentes: um sobre a importância atual dos psicólogos, e de como as suas opiniões parecem estar sendo requisitadas ultimamente; uma sobre a dificuldade de alguma obra que defina o nosso tempo, ou algum autor ou escola de pensamento que realmente consiga captar o nosso "zeitgeist", como diriam os alemãos, o espírito da nossa época; e, por fim, um post crítico acerca de três vozes que para mim (com todo respeito aos que gostam) significam a celebritização da filosofia de bula de remédio, seja oferecendo o caminho mais curto para uma visão do inferno (Malu Fontes), seja, pelo contrário, oferecendo um bilhete só de ida para a libertinagem sem eira nem beira (Roberto Albergaria), ou, por fim, sempre nos brindando com o melhor da mais fina filosofia de porta de banheiro de escola secundária, o comandante da nave louca (Pedro Bial). Como imagino que 99,9% da pessoas adoram um barraco, vou deixar para falar mal dos três arautos da filosofia midiática e raquítica por último. Por enquanto, vou dar umas canetadas aqui sobre aquelas duas questões iniciais, começando pelos psicólogos e sua importância contemporânea para além da compreensão do indivíduo. Ou, em outras palavras, porque Freud pode ser mais importânte do que Marx para entender a sociedade em que vivemos.

Tenho notado que algumas das figuras mais ouvidas ultimamente quando se procura entender a nossa sociedade atual não são sociólogos, economistas, políticos ou mesmo filósofos (ainda que alguns aceitem também essa denominação, mesmo tendo formação original diversa). Tratam-se dos psicólogos. Quando penso em psicologos, a primeira coisa que me vem à cabeça é o divã. Não o Divã, filme estrelado por Lilia Cabral (ótimo, por sinal). Nem Odivan, ex-zagueiro do Vasco (cujo nome, reza a lenda, foi inspirado num sucesso de Roberto Carlos - o cantor, não o lateral - chamado, pasmem, "O Divã"). Mas não é verdade? O que tem mais cara de psicólogo do que aquele móvel estranho, mistura de sofá com cama, recentemente filmado com um usuário ilustre (ainda que não muito nobre), o Arruda, recebendo uma grana para comprar uns panetones, que sairam bem indigestos para ele (O panetonegate daria um ótimo post, mas agora já é notícia velha). Bom, voltando ao divã, o que há de mais solitário, de mais íntimo, do que alguém deitado num divã, contando seus segredos mais secretos, seus medos mais intensos, para alguém que, na maioria das vezes, apenas ouve. Soltando, é claro, uns "Hum, Hum...", para justificar a cobrança por hora. Na verdade, essa cobrança se justifica mesmo sem essas onomatopéias monossilábicas. São em sua grande maioria, profissionais extremamente dedicados, que ajudam muito pessoas a superarem problemas que elas imaginam intransponíveis. Mas ainda assim, essa ajuda normamente é individual. Trata-se de um diálogo (muitas vezes do paciente consigo mesmo) travado à exaustão. Exige uma confiança mútua enorme, construída de forma consistente. Talvez beire o exagero (ou apenas manifeste a exatidão da tese freudiana), mas acredito que, sob certos aspectos, podemos comparar a análise ao sexo. Psicólogos(as) e prostitutas(os) podem ter mais em comum do que a letra inicial. Em ambos os casos pagamos alguém para o exercício da penetração: física, no caso do sexo prostituído; psiquica, no caso da análise psicológica. A completa submissão de um poderoso homem de negócios sob as botas salto Luiz XV de uma dominatrix envelopada num latex negro brilhante não poderia ser comparada à reconhecimento, aos prantos, do medo do fracasso corporativo por este mesmo chefão, só que agora sob a angulação do cachimbo de um velho discispulo de Lacan ou Jung? Sem contar que nos dois casos, a depender da intensidade da atividade, ambos os casos deixam os clientes/pacientes exaustos.

Então, como algo tão pessoal, tão íntimo pode servir de ponte para um profissional avaliar a sociedade como um todo? Bom, pelo menos me lembro, lá das minhas aulas com a professora Palácios, no meu primeiro semestre de urbanismo, de um caso onde se provou que o comportamento mais individual pode ter uma relação direta com a sociedade: O Suicídio, de Emile Durkheim. Justamente para justificar ainda mais as bases da nascente sociologia, Durkheim utilizou-se do ato que parece ser o mais individuial possível, tirar a própria vida, para provar como o nosso comportamento individual reflete as agruras da sociedade. Ao que parece, estamos fazendo, no início do século XXI, o caminho inverso proposto no final do século XIX: ao invés de procurar reconhecer no comportamento individual a influência da sociedade, uma nova safra de psico-filósofos procura desvelar as patologias sociais a partir da analogia com os quadros típicos das patologias mentais. Nesta linha de raciocínio, podemos propor a seguinte imagem: a sociedade nada mais é que um cérebro coletivo, cujos neurônios são os cérebros individuais. Porque a pertubação das nossas micro-sinapses não pertubaria as macro-sinapses que construem o mundo aqui fora?

Assim, podemos falar agora em neurose social ou amnesia coletiva. Podemos falar em depressão econômica ou esquizofrenia política (muito comum em épocas eleitorais, na busca de aliados a qualquer preço). Podemos, enfim, transportar, por analogia, as inquietações que abalam nossa alma para descrever o estado crítico da sociedade como um todo. Alguns nomes destacam-se nessa tradução, que aqui chamo de psico-filosófica: os brazucas Maria Rita Kelh e Contardo Caligaris e os gringos Cornelius Castoriadis e Zlavoj Zizek. Não pretendo aqui fazer uma resenha da produção intelectual dos citados, mas é facil encontrar artigos, livros e entrevistas dessas figuras dando opiniões que vão muito além da descrição das fases oral, anal, fálica, latente e genital. Só posso dizer de imediato que admiro a todos. Maria Rita Kehl deu uma das melhores entrevistas já publicadas na Revista Muito, suplemento dominical do A Tarde. Contardo Caligaris tem uma coluna impedível na Folha de São Paulo. Castoriadis é um sábio à moda antiga, que transita com facilidade por várias searas intelecutais, tendo pelo menos uma obra obrigatória: A Instituição Imaginária da Sociedade. Além disso, é a principal referência de Marcelo Lopes de Souza, geógrafo voltado para as questões urbanas e que é uma das minhas principais referências. Por fim, Zizek é um dos críticos sociais mais "hypados" do momento, tendo lançado recentemente mais um livro de críticas ácidas à sociedade atual: Visão em Paralaxe. Uma das principais características de suas obras é o uso de símbolos da dita cultura pop descartável para mapear as brechas compreensivas do mundo (mostra disso é a descrição "papo-cabeça" da cena do consultório do dentista da animação Procurando Nemo). Apesar de ser acusado de excessivamente midiático (tendo sido confrontado por Maria Rita Kehl num momento clássico de um Roda Viva da TV Cultura), acredito que Zizek trouxe um tempero mais que bem vindo para animar a discussão sobre a contemporaneidade.

Assim, ao que tudo indica, a psicologia está na crista da onda em matéria de decodificar esse mundo "desbussolado" (expressão tipicamente psicológica, não acha?) em que vivemos. Parece que finalmente estamos em vias de confirmar o famoso bordão popular: Só Freud Explica...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Participação Popular nas Políticas Públicas de Desenvolvimento Urbano

Às vezes queremos rodar os ponteiros do relógio ao contrário, parar o tempo, nos acomodar, fazer as coisas como sempre fizemos. Afinal, em time que está ganhando... Mas você já parou para pensar que o outro time não deve estar gostando nada dessa história. Assim, mudanças são inevitáveis, principalmente quando estamos em meio à convivência social, onde o placar normalmente favorece a uma pequena minoria, enquanto a maioria fica a maior parte do tempo sem a bola nos pés. E tomando de goleada!

Podemos visualizar o ponteiro da história em sua marcha inexorável (para desespero de alguns) no sentido de uma maior abertura do Estado para a participação popular na elaboração das políticas públicas. Seja pela perda da condição de todo-poderoso provedor, engolido que foi o Estado pela Crise do Financiamento Público na década de 80, ou pelo erguimento da Sociedade Civil frente à inércia, em muitos casos, intencional, do Estado no enfrentamento efetivo das questões ambientais, urbanas e sociais, o fato é que não dá mais para se cogitar fazer planejamento urbano sem participação popular. A necessidade de reconquistar a autoridade perdida, desta vez não pelo caminho da força, mas sim através da construção mútua de legitimidade, abriu as portas do Estado, fazendo com que novos atores ocupassem o palco da governança.

No Brasil, a semente plantada em 1988, germinou em 2001 e floresceu em 2003, ganhando mais força a cada dia. O capítulo de política urbana da Carta Magna representou o abrir de olhos diante de uma realidade que já não dava para ignorar. O Estatuto da Cidade, por sua vez, serviu para escorar definitivamente a porta entreaberta. Já o Conselho das Cidades materializou o que era vontade para alguns e sapo a ser engolido por outros. Na sequência, em 2007, a Bahia entrou em sintonia com o Paradigma Participativo, criando o CONCIDADES/BA.

Não desprezando os avanços alcançados, bem como reconhecendo que não é nem de uma hora para outra que se muda uma cultura política encravada em um sociedade, mais do que em um aparelho de estado, nem existe receita pronta para a gestão democrática (trata-se de aprender fazendo), há de se reconhecer que ainda estamos longe de uma participação efetiva da população em geral na elaboração (destaquemos: ELABORAÇÃO e não LEGITIMAÇÃO) de políticas públicas urbanas na Bahia. Ao reconhecer a importância do CONCIDADES/BA até agora e, mais importante, o potencial que essa instância tem para ser a grande mesa de negociação entre Estado, Mercado e Sociedade Civil no que toca à configuração de um modelo de desenvolvimento urbano socialmente igualitário, economicamente includente e ambientalmente equilibrado, fica patente a sua subutilização, haja vista a pauta que vem se esvaziando nos últimos anos em termos de decisões estruturantes para o ordenamento urbano do estado. Essa subutilização só não é pior que o aviltamento provocado pela redução da consulta ao conselho à mera formalidade, sem qualquer efeito efetivamente deliberativo sobre os rumos da rede urbana estadual. Casos como o da "discussão" do Projeto de Lei de Saneamento, para não falar de outros, são exemplo de como não se deve fazer a gestão democrática do desenvovimento urbano.

O CONCIDADE/BA tem um corpo de conselheiros extremamente diversificado no que toca aos seus campos de atuação, bem como ao conhecimento técnico e mesmo posicionamento ideológico em relação ao Governo do Estado. Essa diversidade, se por um lado, torna difícil a articulação entre os representantes de cada segmento, por outro cria uma pluralidade que certamente submeterá os projetos estruturantes do desenvolvimento urbano estadual a um crivo qualificante, multidimensional e transescalar, ampliando em muito as condições desses projetos alterarem positivamente a realidade. Subutilizar esse imenso potencial ou transformá-lo em mera formalidade, desestimulando conselheiros e provocando reuniões cada vez mais esvaziadas não só é uma caricaturização da gestão democrática do desenvolvimento urbano, como pode significar um processo de definhamento do conselho em si, o que será uma perda irreparável. Será como voltar os ponteiros do relógio da História para trás. E todos os jogadores, ganhando ou perdendo com isso, sairão de campo vaiados pelos torcedores do "Democracia Futebol Clube".

Para quem quiser maiores detalhes sobre a participação popular na gestão pública, no planejamento urbano e na gestão urbana, pode dar uma olhada em um artigo nosso publicado na excelente Revista do Observatório do Milênio n.º 01 , Ano 2, de Belo Horizonte. (http://observatoriodomilenio.pbh.gov.br/)

Socorro, criei um blog!!

É, acredito que seja inevitável nos dias de hoje não criar um blog. Enquanto pude, evitei gerar mais esse compromisso. Afinal, para que ter um blog se você não o atualiza constantemente, o que exige um certo nível de dedicação e disciplina? Mas o fato é que, na sociedade atual, acredito que estamos revivendo um velho slogan punk: "Do it yourself", ou seja, "Faça você mesmo". A miniaturização das tecnologias e a difusão da internet banda larga (ainda pequena, mas em franca espansão) permitem que qualquer um conte para o mundo a sua verdade particular. Aliais, esse é outro motivo para se criar um blog. Os pós-estruturalistas (Lyotard, Baudrillard) decretaram a morte da verdade a partir da denúncia do vazio das grandes narrativas (a religião, o progresso, a utopia). A partir de uma lógica que é meramente discursiva, ou seja, desprovida de qualquer base material e calcada no processo de convencimento interpessoal, qualquer explicação do mundo hoje torna-se apenas mais uma explicação do mundo. Qualquer verdade não é nada mais que uma verdade particular.

Assim, se por um lado é simples falar para todo o mundo (hoje, com a www, literalmente), por outro é insuportável o desconforto psicológico do vazio de expectativas gerado por esse fim das grandes narrativas. Não saber para onde o mundo caminha faz reprisar a mesma vertigem que nossos tataravôs sentiram ao partir em direção ao Atlântico, torcendo para o tal de Colombo estar certo e o mundo ser redondo para não cairem no abismo. Assim, num exercício de auto-defesa da própria sanidade, lançamos mensagens em garrafas no oceano virtual, a fim de receber algum sinal de que há vida inteligente do outro lado da telinha. Nem que seja para mandar você parar de poluir o mar com suas inseguranças. Assim, viva aos orkuts, youtubes e blogues da vida! Mais do que tribalizar o mundo, eles nos permitem falar em nome de alguma coisa: nós mesmos.

Na verdade, a blogosfera já amadureceu enquanto midia a ponto de não conter apenas romantismos neo-nostálgicos, pulsões discursivas desse animal, mais que racional, comunicacional, que é o homem, que para se sentir como tal precisa espelhar a sua racionalidade em um outro comunicante. Hoje, utiliza-se blogues de forma profissional, seja para inocular uma necessidade de consumo ou apenas para se tornar um objeto de consumo. Isso sem falar nos microblogues (os famosos "twitters") que nada mais são que a junção das duas características da nossa era, citadas acima: a verdade particular e a miniaturização generalizada. Assim, cresce o espaço da nano-verdade, reafirmando o que disse Macluhan: the mensage is the mensage", ou seja, não é o conteúdo da obra que importa, mas sim sua autoria. Saber que alguém deu uma topada no pé da mesa não interessa. A menos que o pé seja de alguma celebridade (mesmo uma sub-celebridade, cuja nano-fama remonta a um passado perene, cristalizado no prefixo "ex": ex-bbb, ex-Casa dos Artistas, Ex-Mocinha da Novela das Seis direto do Tunel do Tempo. Enfim, após se comemorar o acerto da previsão de Andy Wahol, vem a crise de abstinência e, em flagrante incompatibilidade com o consumo do efêmero, busca-se eternizar os tais 15 minutos. Uma vez sob as luzes da ribalta, sentar-se em meio ao anonimato da plateia é morrer em vida).

Mas não obstante a importância dos blogues profissionais, eminetemente jornalísticos (ainda que se entenda o termo "jornalístico" para muito além da informação de utilidade pública, sem no entanto chegar ao exagero de compará-los a cozinheiros - que, diga-se de passagem, são o mais novo filão da celebritização instantânea, apenas com um nomezinho mais pomposo: "chef"), voltado para a economia, negócio ou política, acredito que o "blogar por blogar" ainda tem espaço nas megabytes das bandas largas dos nossos lares. Aliais, esse é o terceiro motivo para se criar um blog: fazê-lo sem obrigação. Assim, quando falei acima do compromisso de escrever diariamente num blog, se esse compromisso se tornar uma obrigação, salto fora. Porque enquanto obrigação vem de imposição, de ser obrigado a fazer algo mesmo contra a vontade, compromisso vem de comprometimento, ou seja, uma promessa mútua, que liga, voluntariamente, o seu desejo com a oportunidade de fazer.

Assim, enquanto juntar tudo isso (micro-midias, pós-estruturalismo, nano-verdades, neo-nostalgias, etc) for mais interessante do que ter que renegociar as promessas do Reveillon, acho que fico por aqui. Para falar de urbanismo, direito e, brevemente, administração pública; opinar sobre política e economia; ou simplesmente comentar sobre cultura, lazer, música, cinema, literatura, viagens, etc. Sem sabedoria milenar ou frase do dia. Apenas mais uma garrafa no oceano.