terça-feira, 13 de novembro de 2012

Relato Pessoal da urbBA12: o que vi, ouvi, pensei (Dia 2)


Na manhã seguinte, infelizmente não pude estar presente na primeira rodada de apresentação dos trabalhos selecionados, fica impedido de ver o certamente belíssimo trabalho do amigo José Augusto Saraiva sobre a ponte Salvador-Itaparica. Pela tarde, além da curiosidade de ter sido lido (e aplaudido!!!) um texto de um dos participantes ausentes na mesa (Renato Balbim - IPEA), cabe destacar as falas de Rogério Proença (UFS) e Tânia Cordeiro (UNEB). O principal destaque dessas falas vem menos do que elas efetivamente continham (a dialética do “alto” e do “baixo” na topografia sócio-territorial de Salvador e a pobreza da nossa “dieta comunicacional”, por Tânia Cordeiro; a dialética do público e do íntimo na bio-virtualidade contemporânea, por Rogério Proença) e mais das suas origens. Saindo do universo dos arquitetos, urbanistas e profissionais físico-espaciais (apenas para caracterizá-los, e não para reduzi-los – principalmente o urbanista – a isto), uma era comunicóloga e o outro sociólogo, o que certamente contribuiu e muito para oxigenar o tantos debates ocorridos e a ocorrer. A terceira atividade foi também um dos pontos altos do seminário. Uma mesa redonda que reuniu Paulo Fábio, Jorge Almeida, Liana Viveiros e Maria de Azevedo Brandão (como debatedora) para discutir o tema “Política e Cidade.” O tema em si já me era instigante. A primeira fala, de Paulo Fábio, o mais conhecido cientista político baiano, impressionou pela historicidade, pela capacidade de conectar fluidamente os dois polos discursivos e pela já conhecida argumentação muito bem ancorada teoricamente. Porém, ao final, para mim (e ao que parece também para a professora Ana Fernandes, que ao final fez a pergunta que eu pretendia fazer a ele), ficou um travo amargo na boca. Principalmente pelo uso das expressões “panaceia”, para se referir às tais “práticas de gestão participativa tão desejadas e enaltecidas” e “delírio” para a ideia de “auto-governo do povo”. A primeira é, até certo ponto, comum (eu mesmo uso) para se referir a uma prática, de todo condenável, que é a de abordar as ações de democracia direta com um certo ar messiânico, de que é na sociedade civil organizada que está a única possibilidade de recuperar o que a sociedade política vampiresca sugou da máquina administrativa estatal. Já a segunda, em meio a tantas dificuldades de auto-organização popular, quiçá de uma autonomia cidadão à la Castoriadis, mas igualmente de exemplos históricos e cumulativos (que, no campo urbano, tem nos multirões um exemplo ate certo ponto trivial) e outras tentativas mais ou menos reconhecidas (como o orçamento participativo, em seus erros e acertos), me pareceu um pouco forte. Chamar de “delírio” a ideia do auto-governo, como que fechando uma porta no futuro simplesmente pela ausência de chaves no presente – caso consideremos que as experiências citadas não o são – me leva a optar pelo discurso, até bem comum hoje, da valorização da utopia enquanto leit motiv da reflexão crítica e da qual essa não pode se descolar, sob pena de imobilizar-se em um pragmatismo contábil. Não por acaso, a fala do professor Heliodorio Sampaio, que comentarei a seguir, inicia-se com a discussão do conceito de utopia e encerra-se com um clamor pela democracia direta, no que me parece ser uma trajetória hermenêutica diametralmente oposta àquela traçada por Paulo Fábio. Porém, o que mais me chocou nesse discurso inicial foi o pender a balança tão rápida e definitivamente para o outro lado, ou seja, entender que a única forma de lidar com as deficiências da ação do Estado é apostar todas as fichas no fortalecimento da sociedade política, seus agentes institucionais e, especialmente, seus componentes partidários. E ai, reconhecendo que, tal qual reconheceu a própria Maria de Azevedo Brandão, é difícil seguir o raciocínio extremamente consubstanciado do professor Paulo Fábio, a minha interpretação (provavelmente errada, mas é a única que tenho para expor aqui) é que o professor Paulo Fábio justifica um erro com outro: se é panaceia apostar todas as fichas nessa tal sociedade civil organizada (haja vista as atuais reportagens envolvendo a ONG Pierre Bourdieu), reduzir a democracia a conduite entre eleitores que votam e eleitos que governo e ponto me parece uma reverberação perigosa do que dita a Escola da Escolha Pública (Buchanan & Tullock), ou seja, uma sociedade inerte é o sinal positivo de um governo eficiente. Apesar de ainda apostar que este é um entendimento incorreto da fala do professor Paulo Fábio (sendo que sua resposta à pergunta da professora Ana Fernandes - que demonstrou, na minha opinião, também um certo incômodo com aquela aposta na mesma sociedade política que é cooptada pela Mckinsey e atua de forma fascista no Rio de Janeiro – não me possibilitou mudar de opinião), cumpre afirmar que ela se aproxima muito da fala de outro professor de São Lázaro, ao qual rendo as maiores homenagens, que é o professor Alvino Sanchez, pois, nas aulas que tive o prazer de assistir durante meu mestrado, às vezes justamente pelo debate provocado por suas opiniões, ele parecia defender a sociedade política de um eventual hegemonia da sociedade civil organizada no campo das alternativas. Fica portanto registrada essa minha (in)compreensão. Posto isso, ficou à cargo de Jorge Almeida, outro importante professor de São Lázaro, e a Liana Viveiros, arquiteta que esteve a frente da Superintendência de Habitação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (SEDUR), o reposicionamento da discussão do Estado em termos, de um lado, mais críticos à sociedade política e, de outro, mais realista em relação ao Estado (e, portanto, disposto a apontar não só erros como acertos na conduta deste, visão típica de quem sai da frente do quadro-negro e senta atrás da mesa da burocracia pública, eivada de vícios e “esqueletos” dos quais não se livra do dia para a noite, por mais bem intencionado que se seja). Um dos momentos mais quentes do debate (quiçá do seminário inteiro, pois esse prezou por mesas, digamos, ideologicamente “monocromáticas”) foi a discussão do conceito de hegemonia gramsciana, utilizado por Jorge Almeida para descrever o atual quadro político nacional, que reúne consenso e coerção, no que teve dura réplica de Fábio (que afirmou ser a compreensão do conceito gramsciano de Hegemonia por Almeida totalmente equivocada) e, inesperadamente para mim, igualmente dura tréplica de Jorge Almeida, citando textualmente diversas passagens da obra de Gramsci onde haveria tal descrição do conceito. A nota dissonante foi a participação da professora Maria de Azevedo Brandão, pilar da sociologia baiana e com reconhecida capacidade crítica. Tendo sido informado pela professora Maria Palácios, presença constante no evento, ao lado do colega Ednaldo, seu orientando em recente e interessantíssima monografia no curso de urbanismo (Itapagipe vista a partir de Jane Jacobs), que a professora Brandão vinha andando um tanto quanto adoentada ultimamente, não foi surpresa, ainda que tenha sido triste, vê-la fazer apenas alguns comentários soltos e sem maior impacto ao final da mesa, comentários esses que versaram apenas (e por poucos minutos) sobre a fala de Paulo Fábio. Se a minha primeira impressão foi de que a mesma estava de fato com a saúde abalada, o que afetou a sua condição de fazer um comentário mais consubstanciado sobre as três falas, ocorreu-me rever essa posição quando, participando da plateia da mesa da tarde, no dia seguinte, ela fez uma pergunta extremamente articulada e pertinente. Isso me levou a levantar a hipótese de que não foi a saúde abalada que levou a professora Brandão a proferir algumas poucas palavras sobre a fala do professor Paulo Fábio, dentre as quais se destacou a sua afirmação de que é muito difícil seguir o raciocínio dele, inclusive por ela mesma. A motivação para tão lacônica participação, em contraste com a lucidez demonstrada no dia seguinte – me passa agora pela cabeça – pode ter sido a mesma que abalou a mim e à professora Ana Fernandes: um certo desconforto com as ideias por ele colocadas, em especial sua defesa militante da necessidade de se investir na sociedade política como expressão democrática exclusiva. Bom, certamente essa mesa foi uma das que deixou mais inquietações.

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