Na manhã seguinte,
infelizmente não pude estar presente na primeira rodada de apresentação dos
trabalhos selecionados, fica impedido de ver o certamente belíssimo trabalho do
amigo José Augusto Saraiva sobre a ponte Salvador-Itaparica. Pela tarde, além
da curiosidade de ter sido lido (e aplaudido!!!) um texto de um dos
participantes ausentes na mesa (Renato Balbim - IPEA), cabe destacar as falas
de Rogério Proença (UFS) e Tânia Cordeiro (UNEB). O principal destaque dessas
falas vem menos do que elas efetivamente continham (a dialética do “alto” e do
“baixo” na topografia sócio-territorial de Salvador e a pobreza da nossa “dieta
comunicacional”, por Tânia Cordeiro; a dialética do público e do íntimo na
bio-virtualidade contemporânea, por Rogério Proença) e mais das suas origens.
Saindo do universo dos arquitetos, urbanistas e profissionais físico-espaciais
(apenas para caracterizá-los, e não para reduzi-los – principalmente o
urbanista – a isto), uma era comunicóloga e o outro sociólogo, o que certamente
contribuiu e muito para oxigenar o tantos debates ocorridos e a ocorrer. A
terceira atividade foi também um dos pontos altos do seminário. Uma mesa redonda
que reuniu Paulo Fábio, Jorge Almeida, Liana Viveiros e Maria de Azevedo
Brandão (como debatedora) para discutir o tema “Política e Cidade.” O tema em
si já me era instigante. A primeira fala, de Paulo Fábio, o mais conhecido
cientista político baiano, impressionou pela historicidade, pela capacidade de
conectar fluidamente os dois polos discursivos e pela já conhecida argumentação
muito bem ancorada teoricamente. Porém, ao final, para mim (e ao que parece
também para a professora Ana Fernandes, que ao final fez a pergunta que eu
pretendia fazer a ele), ficou um travo amargo na boca. Principalmente pelo uso
das expressões “panaceia”, para se referir às tais “práticas de gestão
participativa tão desejadas e enaltecidas” e “delírio” para a ideia de “auto-governo
do povo”. A primeira é, até certo ponto, comum (eu mesmo uso) para se referir a
uma prática, de todo condenável, que é a de abordar as ações de democracia
direta com um certo ar messiânico, de que é na sociedade civil organizada que
está a única possibilidade de recuperar o que a sociedade política vampiresca
sugou da máquina administrativa estatal. Já a segunda, em meio a tantas
dificuldades de auto-organização popular, quiçá de uma autonomia cidadão à la
Castoriadis, mas igualmente de exemplos históricos e cumulativos (que, no campo
urbano, tem nos multirões um exemplo ate certo ponto trivial) e outras
tentativas mais ou menos reconhecidas (como o orçamento participativo, em seus
erros e acertos), me pareceu um pouco forte. Chamar de “delírio” a ideia do
auto-governo, como que fechando uma porta no futuro simplesmente pela ausência
de chaves no presente – caso consideremos que as experiências citadas não o são
– me leva a optar pelo discurso, até bem comum hoje, da valorização da utopia
enquanto leit motiv da reflexão
crítica e da qual essa não pode se descolar, sob pena de imobilizar-se em um
pragmatismo contábil. Não por acaso, a fala do professor Heliodorio Sampaio, que
comentarei a seguir, inicia-se com a discussão do conceito de utopia e encerra-se
com um clamor pela democracia direta, no que me parece ser uma trajetória
hermenêutica diametralmente oposta àquela traçada por Paulo Fábio. Porém, o que
mais me chocou nesse discurso inicial foi o pender a balança tão rápida e
definitivamente para o outro lado, ou seja, entender que a única forma de lidar
com as deficiências da ação do Estado é apostar todas as fichas no
fortalecimento da sociedade política, seus agentes institucionais e,
especialmente, seus componentes partidários. E ai, reconhecendo que, tal qual
reconheceu a própria Maria de Azevedo Brandão, é difícil seguir o raciocínio
extremamente consubstanciado do professor Paulo Fábio, a minha interpretação
(provavelmente errada, mas é a única que tenho para expor aqui) é que o
professor Paulo Fábio justifica um erro com outro: se é panaceia apostar todas
as fichas nessa tal sociedade civil organizada (haja vista as atuais
reportagens envolvendo a ONG Pierre Bourdieu), reduzir a democracia a conduite
entre eleitores que votam e eleitos que governo e ponto me parece uma
reverberação perigosa do que dita a Escola da Escolha Pública (Buchanan &
Tullock), ou seja, uma sociedade inerte é o sinal positivo de um governo
eficiente. Apesar de ainda apostar que este é um entendimento incorreto da fala
do professor Paulo Fábio (sendo que sua resposta à pergunta da professora Ana
Fernandes - que demonstrou, na minha opinião, também um certo incômodo com
aquela aposta na mesma sociedade política que é cooptada pela Mckinsey e atua
de forma fascista no Rio de Janeiro – não me possibilitou mudar de opinião),
cumpre afirmar que ela se aproxima muito da fala de outro professor de São
Lázaro, ao qual rendo as maiores homenagens, que é o professor Alvino Sanchez,
pois, nas aulas que tive o prazer de assistir durante meu mestrado, às vezes
justamente pelo debate provocado por suas opiniões, ele parecia defender a
sociedade política de um eventual hegemonia da sociedade civil organizada no
campo das alternativas. Fica portanto registrada essa minha (in)compreensão. Posto
isso, ficou à cargo de Jorge Almeida, outro importante professor de São Lázaro,
e a Liana Viveiros, arquiteta que esteve a frente da Superintendência de
Habitação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (SEDUR), o
reposicionamento da discussão do Estado em termos, de um lado, mais críticos à
sociedade política e, de outro, mais realista em relação ao Estado (e,
portanto, disposto a apontar não só erros como acertos na conduta deste, visão
típica de quem sai da frente do quadro-negro e senta atrás da mesa da
burocracia pública, eivada de vícios e “esqueletos” dos quais não se livra do
dia para a noite, por mais bem intencionado que se seja). Um dos momentos mais
quentes do debate (quiçá do seminário inteiro, pois esse prezou por mesas, digamos,
ideologicamente “monocromáticas”) foi a discussão do conceito de hegemonia
gramsciana, utilizado por Jorge Almeida para descrever o atual quadro político
nacional, que reúne consenso e coerção, no que teve dura réplica de Fábio (que
afirmou ser a compreensão do conceito gramsciano de Hegemonia por Almeida
totalmente equivocada) e, inesperadamente para mim, igualmente dura tréplica de
Jorge Almeida, citando textualmente diversas passagens da obra de Gramsci onde
haveria tal descrição do conceito. A nota dissonante foi a participação da
professora Maria de Azevedo Brandão, pilar da sociologia baiana e com
reconhecida capacidade crítica. Tendo sido informado pela professora Maria
Palácios, presença constante no evento, ao lado do colega Ednaldo, seu orientando
em recente e interessantíssima monografia no curso de urbanismo (Itapagipe
vista a partir de Jane Jacobs), que a professora Brandão vinha andando um tanto
quanto adoentada ultimamente, não foi surpresa, ainda que tenha sido triste,
vê-la fazer apenas alguns comentários soltos e sem maior impacto ao final da
mesa, comentários esses que versaram apenas (e por poucos minutos) sobre a fala
de Paulo Fábio. Se a minha primeira impressão foi de que a mesma estava de fato
com a saúde abalada, o que afetou a sua condição de fazer um comentário mais
consubstanciado sobre as três falas, ocorreu-me rever essa posição quando,
participando da plateia da mesa da tarde, no dia seguinte, ela fez uma pergunta
extremamente articulada e pertinente. Isso me levou a levantar a hipótese de
que não foi a saúde abalada que levou a professora Brandão a proferir algumas
poucas palavras sobre a fala do professor Paulo Fábio, dentre as quais se
destacou a sua afirmação de que é muito difícil seguir o raciocínio dele,
inclusive por ela mesma. A motivação para tão lacônica participação, em
contraste com a lucidez demonstrada no dia seguinte – me passa agora pela
cabeça – pode ter sido a mesma que abalou a mim e à professora Ana Fernandes:
um certo desconforto com as ideias por ele colocadas, em especial sua defesa
militante da necessidade de se investir na sociedade política como expressão
democrática exclusiva. Bom, certamente essa mesa foi uma das que deixou mais
inquietações.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
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