terça-feira, 13 de novembro de 2012

Relato Pessoal da urbBA12: o que vi, ouvi, pensei (Dia 1)


Ocorrido de 07 a 09 de novembro de 2012 na Faculdade de Arquitetura da UFBA, o Seminário “Urbanismo na Bahia 2012” (urbBA12) foi um raro momento de reflexão e troca de ideias entre pesquisadores locais e visitantes. O evento, cuja primeira edição ocorreu em 2011, reuniu, em suas mesas redondas e palestras, alguns dos maiores especialistas nacionais na questão urbana, seja pelo seu viés físico, econômico, social ou político. Ao lado da presença dos luminares, ocorreu também, em turno oposto, a apresentação de trabalhos selecionados pela Comissão Científica do evento e que trouxe, a partir de três eixos temáticos, as mais diversas abordagens para a apreensão da cidade e do urbano. O presente relato é eminentemente pessoal e busca reproduzir, enquanto ainda vivas, algumas memórias de momentos interesses ocorridos nesses três dias. Com o tema: “A produção da cidade e a captura do público: que perspectivas?”, o evento foi aberto com uma mesa que reuniu os seguintes nomes: Ana Fernandes (UFBA), Luiz Antônio de Souza (UNEB) e Adriana Lima (UEFS), representando as três instituições educacionais à frente da organização do evento. Em termos de fala, o que mais me chamou atenção foi a fala da professora Ana Fernandes, reconhecida por todos como uma voz crítica em relação aos mandos e desmandos que imperam nas cidades. Em sua fala, essencialmente sobre a substituição, na atividade de planejamento urbano, do Estado pelo Mercado, a professora Fernandes apresentou duas informações chocantes. A primeira, a exposição de duas fotos colocadas lado a lado. De um lado, se via uma proposta de intervenção chamada “Vetor Oeste de Expansão da RMS”, feita por uma empresa privada, e que delimitava diversas áreas da Ilha de Itaparica que poderiam vir a ser ocupadas com a construção da tão polêmica ponte; do outro, a demarcação, em uma foto aérea da Ilha de Itaparica, dos perímetros formados pelas coordenadas geográficas de decretos de desapropriação de determinadas áreas da ilha. Percebia-se, com um misto de assombro e curiosidade, que os dois conjuntos de áreas eram praticamente iguais, o que leva a suspeitar que o primeiro deu origem ao segundo. Em outros termos, o planejamento privado deu origem aos decretos públicos. O outro fato trazido pela professora Fernandes foi a notícia no Jornal A Tarde de 07/11/2012 de que a empresa global de consultoria Mckinsey teria se oferecido para, gratuitamente, ajudar o prefeito eleito ACM Neto a preparar a reforma administrativa pretendida para o próximo governo. Não fosse essa uma notícia já bastante estranha, ela fica ainda mais interessante quanto se busca saber o que é exatamente a Mckinsey. Segundo a professora Ana Fernandes, a empresa é uma das mais reconhecidas no mundo no campo da consultoria, tendo escritórios em mais de 100 países. Além disso, vem auxiliando a administração municipal do Rio de Janeiro, na gestão do prefeito Eduardo Paes. Uma outra informação, que posteriormente acrescentei durante a apresentação que fiz no seminário sobre o Conselho Municipal de Salvador, é que a Mckinsey é também a empresa a que esteve (está?) associado Kenichi Ohmae, simplesmente o autor do conhecido livro “O Fim do Estado-Nação”, que prega que os Estados se tornaram obsoletos diante do poder das grandes corporações mundiais. O caso “Mckinsey” tornou-se, ao longo do seminário, o exemplo sempre citado da captura de um público (administração municipal) cada vez mais fragilizado por um privado (Mckinsey) cada vez mais poderoso. Infelizmente não pude permanecer para a segunda mesa, que congregou diversas lideranças dos movimentos sociais, porém é fundamental ressaltar a importância dessa mesa. Como bem lembrou Gabriela Pereira, membro da comissão organizadora em seu balanço sobre o evento, na mesa final, se no urbBA11, os movimentos sociais já tinham sido incorporados, por meio de uma oficina dedicada a eles, no urbBA12, o seu protagonismo avançou ao ocupar uma das mesas do evento. Os votos dela (e os meus) são para que este protagonismo continue e avance ainda mais nos próximos encontros. À tarde, a terceira mesa foi marcada essencialmente por uma ausência: a do secretário de planejamento do estado da Bahia, Jose Sérgio Gabrielli, virtual candidato petista ao governo do estado em 2014. Apesar das falas do geógrafo franco-pernambucano Jan Bitoun e do arquiteto-economista Edgard Porto terem trazido elementos interessantes ao debate da questão urbana (a importância da questão das escalas de planejamento, no caso de Bitoun, e a recorrente abordagem da cidade como “chassi”, de Porto), foi o silêncio do Estado (o que não deixa também de ser expressão da sua captura) na única mesa para a qual foi convidado que se destacou. A condição de Edgard Porto de técnico da SEI não invalida a ausência do estado, pois esse falou mais na condição de acadêmico do que de servidor. Já a ausência de Gabrielli não pode ser tomada como mera fatalidade individual, pois, institucionalmente (caso se esperasse uma fala institucional e não a do economista), deveria ter sido enviado um substituto pela SEPLAN, como ocorreu na mesa de encerramento do VIII Encontro de Economia Baiana, onde Paulo Henrique de Almeida, o substituto de então, protagonizou eletrizante debate com os outros componentes da mesa, em especial Aristóteles Menezes, presidente do Desenbahia, e Lívio Wanderley, coordenador do mestrado de economia da UFBA. Esse silêncio foi tão ensurdecedor que constou, com destaque, no novamente acertado balanço feito por Gabriela Pereira. A quarta atividade do dia foi a magnífica palestra do professor Giuseppe Cocco (UFRJ). Aqui os pontos a destacar são tantos (a discussão do conceito de “comum”, que balizou o evento, destacando a sua visão pejorativa, daquilo que não tem valor por não ter singularidade, até a visão positiva, e defendida por ele, daquilo que é coletivamente construído e, por isso mesmo, mais rico; a discussão da relação entre Estado e Mercado, na qual, em resposta a uma pergunta que fiz sobre o Estado ser cúmplice ou refém do mercado, afirmou que os dois são univitelinos, ainda que, durante os “Trinta Gloriosos” (1950-1980), o Estado tenha feito concessões, acordadas com o capital, em favor do trabalho, o que, para mim, foi resultado muito mais da “alternativa socialista” do que da boa vontade do capitalismo). Porém, o que mais ficou para mim foi sua descrição das ações da prefeitura do Rio na remoção de comunidades carentes, citando o exemplo da Vila Autódromo. Além das imagens dignas de um urbanismo fascista, com tratores derrubando a casa de quem aceitou a indenização oferecida, não importando ser esta vizinha de muro de outras casas não-indenizadas, numa clara tentativa de aterrorizar aqueles que ainda resistem, o que ele fez questão de frisar foi que, diferentemente da remoção também violenta da comunidade de Pinheirinhos, em São Paulo, que era uma ação demandada pelo privado, as ações na Vila Autódromo eram protagonizadas pelo Poder Público. E, mais que isso, por uma Secretaria Municipal de Habitação comandada por um petista e tendo como técnicos figuras que integraram as fileiras do Movimento Nacional de Reforma Urbana. É mais uma vez a “esquerda” brasileira (a qual não se pode reduzir só ao PT, mas outros partidos desta mesma linhagem, como o PC do B) em sua inesgotável “crise de identidade ideológica”, que tende a evoluir ou para a falsidade ideológica declarada, enquanto crime, ou para uma maníaco-depressão suicida, enquanto angústia.

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