Ocorrido de 07 a 09 de
novembro de 2012 na Faculdade de Arquitetura da UFBA, o Seminário “Urbanismo na
Bahia 2012” (urbBA12) foi um raro momento de reflexão e troca de ideias entre
pesquisadores locais e visitantes. O evento, cuja primeira edição ocorreu em
2011, reuniu, em suas mesas redondas e palestras, alguns dos maiores
especialistas nacionais na questão urbana, seja pelo seu viés físico,
econômico, social ou político. Ao lado da presença dos luminares, ocorreu
também, em turno oposto, a apresentação de trabalhos selecionados pela Comissão
Científica do evento e que trouxe, a partir de três eixos temáticos, as mais
diversas abordagens para a apreensão da cidade e do urbano. O presente relato é
eminentemente pessoal e busca reproduzir, enquanto ainda vivas, algumas
memórias de momentos interesses ocorridos nesses três dias. Com o tema: “A
produção da cidade e a captura do público: que perspectivas?”, o evento foi
aberto com uma mesa que reuniu os seguintes nomes: Ana Fernandes (UFBA), Luiz
Antônio de Souza (UNEB) e Adriana Lima (UEFS), representando as três
instituições educacionais à frente da organização do evento. Em termos de fala,
o que mais me chamou atenção foi a fala da professora Ana Fernandes, reconhecida
por todos como uma voz crítica em relação aos mandos e desmandos que imperam
nas cidades. Em sua fala, essencialmente sobre a substituição, na atividade de
planejamento urbano, do Estado pelo Mercado, a professora Fernandes apresentou
duas informações chocantes. A primeira, a exposição de duas fotos colocadas
lado a lado. De um lado, se via uma proposta de intervenção chamada “Vetor
Oeste de Expansão da RMS”, feita por uma empresa privada, e que delimitava
diversas áreas da Ilha de Itaparica que poderiam vir a ser ocupadas com a
construção da tão polêmica ponte; do outro, a demarcação, em uma foto aérea da
Ilha de Itaparica, dos perímetros formados pelas coordenadas geográficas de
decretos de desapropriação de determinadas áreas da ilha. Percebia-se, com um
misto de assombro e curiosidade, que os dois conjuntos de áreas eram
praticamente iguais, o que leva a suspeitar que o primeiro deu origem ao
segundo. Em outros termos, o planejamento privado deu origem aos decretos
públicos. O outro fato trazido pela professora Fernandes foi a notícia no
Jornal A Tarde de 07/11/2012 de que a empresa global de consultoria Mckinsey
teria se oferecido para, gratuitamente, ajudar o prefeito eleito ACM Neto a
preparar a reforma administrativa pretendida para o próximo governo. Não fosse
essa uma notícia já bastante estranha, ela fica ainda mais interessante quanto
se busca saber o que é exatamente a Mckinsey. Segundo a professora Ana
Fernandes, a empresa é uma das mais reconhecidas no mundo no campo da
consultoria, tendo escritórios em mais de 100 países. Além disso, vem
auxiliando a administração municipal do Rio de Janeiro, na gestão do prefeito
Eduardo Paes. Uma outra informação, que posteriormente acrescentei durante a
apresentação que fiz no seminário sobre o Conselho Municipal de Salvador, é que
a Mckinsey é também a empresa a que esteve (está?) associado Kenichi Ohmae,
simplesmente o autor do conhecido livro “O Fim do Estado-Nação”, que prega que
os Estados se tornaram obsoletos diante do poder das grandes corporações
mundiais. O caso “Mckinsey” tornou-se, ao longo do seminário, o exemplo sempre
citado da captura de um público (administração municipal) cada vez mais
fragilizado por um privado (Mckinsey) cada vez mais poderoso. Infelizmente não
pude permanecer para a segunda mesa, que congregou diversas lideranças dos
movimentos sociais, porém é fundamental ressaltar a importância dessa mesa.
Como bem lembrou Gabriela Pereira, membro da comissão organizadora em seu
balanço sobre o evento, na mesa final, se no urbBA11, os movimentos sociais já
tinham sido incorporados, por meio de uma oficina dedicada a eles, no urbBA12,
o seu protagonismo avançou ao ocupar uma das mesas do evento. Os votos dela (e
os meus) são para que este protagonismo continue e avance ainda mais nos próximos
encontros. À tarde, a terceira mesa foi marcada essencialmente por uma
ausência: a do secretário de planejamento do estado da Bahia, Jose Sérgio
Gabrielli, virtual candidato petista ao governo do estado em 2014. Apesar das
falas do geógrafo franco-pernambucano Jan Bitoun e do arquiteto-economista
Edgard Porto terem trazido elementos interessantes ao debate da questão urbana
(a importância da questão das escalas de planejamento, no caso de Bitoun, e a
recorrente abordagem da cidade como “chassi”, de Porto), foi o silêncio do
Estado (o que não deixa também de ser expressão da sua captura) na única mesa
para a qual foi convidado que se destacou. A condição de Edgard Porto de
técnico da SEI não invalida a ausência do estado, pois esse falou mais na
condição de acadêmico do que de servidor. Já a ausência de Gabrielli não pode
ser tomada como mera fatalidade individual, pois, institucionalmente (caso se
esperasse uma fala institucional e não a do economista), deveria ter sido
enviado um substituto pela SEPLAN, como ocorreu na mesa de encerramento do VIII
Encontro de Economia Baiana, onde Paulo Henrique de Almeida, o substituto de
então, protagonizou eletrizante debate com os outros componentes da mesa, em
especial Aristóteles Menezes, presidente do Desenbahia, e Lívio Wanderley,
coordenador do mestrado de economia da UFBA. Esse silêncio foi tão ensurdecedor
que constou, com destaque, no novamente acertado balanço feito por Gabriela
Pereira. A quarta atividade do dia foi a magnífica palestra do professor
Giuseppe Cocco (UFRJ). Aqui os pontos a destacar são tantos (a discussão do
conceito de “comum”, que balizou o evento, destacando a sua visão pejorativa,
daquilo que não tem valor por não ter singularidade, até a visão positiva, e
defendida por ele, daquilo que é coletivamente construído e, por isso mesmo,
mais rico; a discussão da relação entre Estado e Mercado, na qual, em resposta
a uma pergunta que fiz sobre o Estado ser cúmplice ou refém do mercado, afirmou
que os dois são univitelinos, ainda que, durante os “Trinta Gloriosos”
(1950-1980), o Estado tenha feito concessões, acordadas com o capital, em favor
do trabalho, o que, para mim, foi resultado muito mais da “alternativa
socialista” do que da boa vontade do capitalismo). Porém, o que mais ficou para
mim foi sua descrição das ações da prefeitura do Rio na remoção de comunidades
carentes, citando o exemplo da Vila Autódromo. Além das imagens dignas de um
urbanismo fascista, com tratores derrubando a casa de quem aceitou a
indenização oferecida, não importando ser esta vizinha de muro de outras casas
não-indenizadas, numa clara tentativa de aterrorizar aqueles que ainda resistem,
o que ele fez questão de frisar foi que, diferentemente da remoção também
violenta da comunidade de Pinheirinhos, em São Paulo, que era uma ação
demandada pelo privado, as ações na Vila Autódromo eram protagonizadas pelo
Poder Público. E, mais que isso, por uma Secretaria Municipal de Habitação
comandada por um petista e tendo como técnicos figuras que integraram as
fileiras do Movimento Nacional de Reforma Urbana. É mais uma vez a “esquerda”
brasileira (a qual não se pode reduzir só ao PT, mas outros partidos desta
mesma linhagem, como o PC do B) em sua inesgotável “crise de identidade
ideológica”, que tende a evoluir ou para a falsidade ideológica declarada,
enquanto crime, ou para uma maníaco-depressão suicida, enquanto angústia.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
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