terça-feira, 25 de março de 2014

Relato do Evento de Lançamento do Projeto Salvador 500 Anos

Local: Hotel Sheraton da Bahia
Data: 24/03/2014
Horário: 09:00hs às 12:00hs.

O evento foi em um auditório relativamente reduzido (talvez 150 pessoas) e a audiência pode ser dividida entre políticos (afinal, havia a presença do prefeito e se tratava da despedida oficial do secretário José Carlos Aleluia da pasta, saindo em 04/04 para disputar uma vaga de Deputado Federal) e técnicos (de órgãos públicos, como prefeitura, Ministério Público, Tribunal de Justiça, etc; e academia). Não havia presença de movimentos sociais, apesar das entidades da sociedade civil ligadas principalmente ao Fórum “A Cidade Também é Nossa” (como a Sociedade Brasileira de Urbanismo - SBU, representada por Fagner Dantas; o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA, representada por Marco Amigo; o Instituto dos Arquitetos do Brasil, representado por Daniel Colina), entre outras entidades, estarem presentes.
O evento começou com a fala do secretário Aleluia, erroneamente anunciado como “Secretário de Infraestrutura e Transporte” (quando o correto seria “Secretário de Urbanismo e Transporte”). O mesmo falou da importância do evento e de pensar a cidade a longo prazo.

Em seguida, falou o prefeito ACM Neto. Logo de início destaca-se o fato do prefeito ter a noção clara da distinção entre arquitetos e urbanistas. Por duas vezes, ao falar dos profissionais envolvidos na discussão da cidade, enumerou-os da seguinte forma: “arquitetos, engenheiros, urbanistas, economistas...” ou “urbanistas, arquitetos, engenheiros, sociólogos...” Isso, por si só, já é uma nota positiva, pois expressa o seu pensamento. Caso ele mude, ai sim será influência de “ditos cujos” de sempre, que questionam essa distinção.
Porém, além dessa nota que tem importância para os urbanistas, o que de fato importou no discurso do prefeito foram quatro declarações:

1)      O Salvador 500 Anos, ao ser um plano pensado para o longo prazo (traçar as linhas do desenvolvimento da cidade de Salvador até 2049 com vistas a torna-la a melhor cidade do Brasil para se viver), deve condicionar tanto o PDDU quanto a LOUOS que devem ser elaboradas em um período de 12 meses (Essa foi a grande nota negativa da fala do prefeito. Se o secretário Aleluia frisou a importância de se “correr contra o tempo” para ter essas leis, uma vez que a “cidade não pode esperar”, o prefeito falou feliz ao dizer que “nada seria feito de forma açodada”. Porém, como considerar que não serão feitos de forma açodada um PDDU e uma LOUOS que devem ser elaborados em 12 meses, com o detalhe de que já devem ser baseadas no Salvador 500 Anos que, necessariamente, deverá estar pronto antes desse prazo??!! O Salvador 500 Anos, um plano estratégico de longo prazo, com um horizonte de 35 anos, será feito em quanto tempo? Seis meses? Durante o ano de 2014? Com Copa do Mundo e Eleições Estaduais e Presidenciais no meio? Parece pouco provável. O que nos resta são duas opções igualmente desagradáveis: ou o Salvador 500, o PDDU e a LOUOS serão de fato feitos de forma açodada, ficando o produto e o processo prejudicados; ou apesar do verniz discursivo da garantia da participação, o que o prefeito tem na manga é a ideia de fazer esses projetos a portas fechadas e, portanto, de forma industrial e rápida por alguma consultoria milionária, para depois fazer algumas audiências públicas meramente litúrgicas para evitar problemas com o Ministério Público – problemas, aliais, que caso os promotores continuem com o mesmo rigor daquele das Dras. Cristina Seixas ou Hortênsia Gomes Pinho, certamente eclodirão. O meu desejo e esperança é que essas duas alternativas não se comprovem e que, a medida que o prefeito tenha consciência da importância desse planejamento e da igual necessidade da sua excelência técnica e legitimidade popular, o processo de discussão possa se estender pelo ano de 2015 e que, no primeiro semestre de 2016, antes do início do processo eleitoral, o prefeito possa deixar um legado verdadeiramente histórico para a cidade do Salvador).       

2)      O prefeito convocou os vereadores a participarem do processo desde o início, de modo que os produtos finais enviados à Câmara de Vereadores não seja desfigurado lá. Apesar da ideia ser excelente, estando presentes em todos os guias e orientações para elaboração de Planos Diretores, e ser igualmente necessária, uma vez que tornaria o trâmite na câmara muito mais rápido (apesar do prefeito corretamente citar que a participação dos vereadores no processo em nada impede que estes exerçam suas atribuições legislativas), é difícil acreditar que os vereadores não usarão a sua posição privilegiada para reconfigurar, atendendo aos mais diversos interesses, o que chegar às suas mãos, tendo em vista o processo de aprovação do PDDU de 2004 e, principalmente, as diversas emendas aprovadas no PDDU de 2008, alterações, diga-se de passagem, com pouco ou nenhum amparo técnico, a exemplo do que foi feito em Patamares para autorizar a construção de um imenso empreendimento de frente para o mar).

3)      Será construída uma estrutura paralela para levar adiante a execução do Salvador 500 Anos. O prefeito fez questão de frisar que os técnicos que ficarão responsáveis pelo plano (ao que tudo indica, este deve estar na alçada da Fundação Mário Leal Ferreira, o que é mais do que correto, não só pelo que a FMLF é – e, principalmente pelo que pode ser a FMLF, a exemplo do IPUCC, de Curitiba; da Fundação João Pinheiro, em Minas; e da EMPLASA, em São Paulo -, mas também porque o Salvador 500 Anos é uma criação do ex-presidente da FMLF, Luiz Baqueiro) não deverão estar submetidos à rotina de demandas comum aos órgãos públicos, o que lhes consumiria todo o tempo. Assim, esses técnicos estarão totalmente imersos no processo de elaboração do Salvador 500 Anos, contando inclusive com o apoio necessário em termos de consultorias e suporte externo, pois só assim esses técnicos poderão executar a missão que lhes será dada com o máximo de excelência e com o mínimo - razoável – de tempo. Segundo o prefeito, a exemplo do que foi feito na época de Juscelino Kubistchek e do Plano de Metas (e eu acrescentaria também o governo de Mário Kertész, através da figura de Roberto Pinho), a estrutura paralela é uma forma de impedir não só a divisão de esforços dos técnicos com as demandas do dia-a-dia, como também de blindar esses mesmos técnicos da influência política que possa comprometer o produto final.

4)      O prefeito frisou constantemente a necessidade da participação popular na construção tanto do Salvador 500 Anos quanto do PDDU e da LOUOS decorrente dele. Essa participação imprescindível deverá ser constantemente buscada pela própria administração, inclusive lançando mão não só das formas mais conhecidas, como audiências públicas, mas também de estratégias não ortodoxas, como uso da internet para atingir e colher mais contribuições da população. Uma nota destoante também nesse ponto foi o “ensurdecedor” silêncio do prefeito quanto ao Conselho Municipal de Salvador. Diante do seu clamor pela participação popular, do seu reconhecimento da imprescindibilidade dessa participação para atribuir a devida legitimidade política aos produtos oriundos desse que tem tudo para ser um processo riquíssimo, uma vez que parte da premissa de se colocar acima da agenda imediatista dos governos de quatro anos (que acaba virando dois, pois a agenda da capital acaba influenciada pelas eleições estaduais e nacionais e vice-versa), causa espécie o prefeito ignorar a presença, na estrutura criada pelo PDDU 2008, da versão municipal do Conselho Nacional e do Conselho Estadual das Cidades, ou seja, de uma instância exclusivamente vocacionada para a discussão dos desígnios de uma cidade, ainda mais considerando a falha histórica (que seria cômica se não fosse trágica) de já terem sido escolhidas nada menos que três composições (durante as Conferências Municipais de Salvador de 2007, 2009 e 2013), sendo que apenas a composição de 2009 foi empossada no apagar das luzes do segundo governo João Henrique (final de 2012), sem ter tido prosseguimento nos seus trabalhos sob a égide do novo governo. Entre o medo de que essa instância, uma vez em pleno funcionamento, se torne não um impulsionador, mas sim um obstáculo à elaboração dos produtos em questão no ritmo esperado; ou o pensamento prático de que empossar um conselho cuja estrutura é um dos objetos de discussão do novo PDDU não valeria a pena, sendo o “lógico” empossar o novo conselho desenhado pelo novo plano, ficamos com a certeza de que é imprescindível a posse e funcionamento imediato do conselho para que este seja a instância preferencial para a discussão dos produtos em questão, atuando não só como uma instância intermediária entre as audiências públicas e o corpo técnico da prefeitura, como principalmente oxigenando ainda mais o processo participativo, abrindo-se, ele mesmo o conselho, para novas colaborações, a partir dos debates abertos e com convidados que o próprio conselho promoveria. A não implantação do Conselho Municipal de Salvador para discutir e deliberar sobre produtos cruciais para o futuro da cidade como são o Projeto Salvador 500, o PDDU e a LOUOS, é nada menos que um golpe branco promovido pelo poder público municipal contra a democracia urbana de Salvador. Esperamos que essa enorme ausência no discurso do prefeito quando este falou a necessidade de promover a participação popular no processo que se está inaugurando tenha sido mero lapso, em parte corrigido, sob pressão das perguntas feitas ao final do evento por Daniel Colina e a Dra. Hortênsia Gomes Pinho, pelo secretário Aleluia, que afirmou que o conselho deverá ser empossado o quanto antes (uma fala convenientemente genérica para quem, tendo um ano para fazê-lo, não o fez e agora está saindo do governo sem ter sequer deixado algum ato concreto no sentido de deflagrar o processo de posse dos membros do CMS).      

Após a fala do prefeito e a saída deste do auditório, uma parte significativa dos políticos presentes foi aos poucos se evadindo do local, ficando apenas raríssimas exceções até o final da fala do último palestrante (entre essas exceções, destaco o Dr. Luiz Carreira, Secretário da Casa Civil). Segue-se abaixo os pontos de maior destaque das falas dos palestrantes:

Nicolas Roderos – Diretor da Regional Plan Association (Nova Iorque)
Palestra: “Planejamento de Longo Prazo: a perspectiva de Nova Iorque”
 - Complexidade do processo de planejamento metropolitano de Nova Iorque. Essa região possui cerca de 4.000 autoridades autônomas de diversas escalas: três estados, várias municipalidades, distritos escolares, distritos sanitários, etc.

 - Foram feitos até agora três planos regionais em Nova Iorque: 1929 (focado na superação da crise de 1929); 1968 (focado na transição de uma cidade industrial para uma cidade de serviço); 1996 (focado nos efeitos da globalização sobre a dinâmica da cidade) e o atual, em 2014 (focado no impacto das novas tecnologias sobre a cidade).
 - Fundamental para o planejamento regional é o princípio da subsidiariedade, devendo o ente administrativo mais próximo do problema receber os recursos necessários para resolvê-lo, só passando para o ente superior se o problema ou a solução exceder a capacidade do ente inferior.

 - Princípios para um planejamento a longo prazo:
                 - princípio físico – estratégia administrativa e alinhamento da cidade às regras;

                 - princípio da implementação – define as políticas, sistemas e projetos específicos;

 - princípio da participação – fundamental a participação de múltiplos atores no processo de planejamento regional.                  
 - A informação é um elemento fundamental para o planejamento.     

 - É importante a definição de metas claras.
 - Inventariar os recursos que a cidade dispõe.

 - Importância do transporte público não só para a população, mas inclusive para potencializar a economia.

 - Importância das áreas arborizadas urbanas (quantidade de árvores por habitantes).
 - Desafios Estratégicos:

                 - definir claramente o escopo funcional do plano;

                 - passar de governo a governança;

Pedro Tadei – Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Palestra: “Planejamento Urbano de Longo Prazo no Brasil”
 - Plano Estratégico é um plano orientado para objetivos de longo prazo.

 - O Estatuto da Cidade omitiu a necessidade de um plano estratégico para orientar o plano diretor urbano, o que é um grande erro.
 - Sem um pacto entre a sociedade civil, empresarial e o governo, não há como levar o plano adiante.

 - Destaque para o Plano Estratégico de Londres como um dos melhores do mundo na atualidade.
 - O Plano Estratégico de longo prazo deve incluir alguns projetos catalizadores intersetoriais, com forte peso simbólico no imaginário da sociedade local e que sirva também para integrar os diversos setores do poder público em torno de uma ação com forte poder demonstrativo.

 - Importância do monitoramento e, para isso, de indicadores de sucesso mensuráveis, bem como de prazos bem definidos e exequíveis.
 - Alguns conceitos básicos do urbanismo contemporâneo:

 - Compacidade – busca da cidade compacta, que reúne em um mesmo território vários tipos de uso.

 - Policentralidade – Multiplicação das centralidades ao longo do território urbano, seja de usos múltiplos de alcance menor ou uso único de alcance maior.

 - Equivalência – distribuição equitativa das oportunidades ao longo do território urbano.

 - Importância de impregnar o plano com o imaginário da população local.
 - A sociedade civil é imprescindível nesse processo. Se ela não estiver organizada o suficiente para participar, a primeira tarefa da administração pública é promover essa organização.

 
Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva – Coordenador do Doutorado em Planejamento Territorial da UCSal.
Palestra: “Planejamento Urbano de Salvador: desafios e perspectivas.”     

 - Trilogia dos problemas urbanos:
                 - Socioeconômicos

                 - infraestruturais
                 - territoriais.

 - Milton Santos, em estudo realizado na década de 1960, estabeleceu como obstáculos ao desenvolvimento de Salvador:
                 - Sítio de Salvador

                 - Fragilidade Econômica

                 - Fragilidade Administrativa.

 - Lei de Reforma Urbana de 1968 – Permitiu a compra e, consequente, privatização de grande parte das áreas públicas de Salvador.
 - A PDG tem um estoque de terras de 1 milhão de metros quadrados em Salvador. Existiriam hoje mais de 10 milhões de metros quadrados em estoque de terras nas mãos do mercado imobiliário em Salvador. Isso mostra a força do mercado imobiliário e, por contraste, a fraqueza do Poder Público. Fraqueza esta construída tanto pela ação do mercado quanto pela omissão (proposital) do Estado.

 - Além disso, há outras forças importantes que comprometem o poder de regulação do Poder Público municipal: governo federal, governo estadual. Exemplo: a CONDER tem um Escritório dedicado ao Centro Histórico de Salvador, mas não tem um departamento de planejamento da região metropolitana.
 - Alguns dados preocupantes:

- Crescimento de 123% do índice de automobilização da população de Salvador entre 1999 e 2011.
                -Salvador está entre as 150 cidades mais violentas do mundo.  

 - É preciso ter uma concepção tríplice da cidade:
                 - Cidade como Polís (aspecto político)
                 - Cidade como Urbe (aspecto físico)
                 - Cidade como Civitas (aspecto cidadão).

 - Importância da contribuição das universidades para o debate do Salvador 500 Anos, do PDDU e da LOUOS.
 - Entre as ações de planejamento de longo prazo para Salvador deve estar a liderança da capital baiana para criação de um Consórcio Metropolitano de Municípios para o Desenvolvimento.    

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